sábado, 1 de novembro de 2008

Silêncio

Estou a ouvir o silêncio. Aqui o silêncio é composto por ruídos.


A box produz uma zoada constante - zuuuu... - ao que acresce uma batida grave - tun tun-tun - e descompassada anunciando um gráfico de sinais emitidos pelos diversos tipos de telecomunicações que coabitam com esta que escreve.

A máquina de café estala - clic - e a chama piloto do esquentador consome oxigénio - xxeee - soando continuamente. Tenho que os ir desligar...

A tartaruga passeia-se no seu exíguo espaço movendo águas à sua passagem e raspando as unhas no aquário - plic plic - e uma torneira pinga... - ping... ping... - tenho que a ir fechar...

Lá fora, um condutor engata a marcha-atrás e manobra o veículo - vruuuumm!!! -e ouço longe o silvo aflito de uma ambulância - uoooommm...

De repente, o toque estridente e preciso da minha campainha - peeeeeé!!!

- Porra! - exclamo eu depois de um valente salto... quebrei o barulho do silêncio.

Oh...! Afinal era o carteiro. Volto a escrever.
Neste prédio alguém fura a parede - prrreemm - para seguidamente lhe martelar vigorosa e impiedosamente- baum baum baaauum!!!

Lá em baixo alguém entrou ou saíu porque a minha porta abanou- dun dun dun - segundos depois já sei que alguém entrou, ouvi o elevador - déun-déunnn! - chegar ao meu andar e uma chave accionar a minha fechadura - é o rico filho que chegou da escola!

- Então, não temos televisão outra vez? - pergunta ele.
- Não, estou a ouvir o silêncio.


Estava. Ele acabou com o barulho do silêncio. Segue-se um corropio. Entre 'atão miúdo, tudo bem?' e 'yas', ele pousa a mala no chão, do frigorífico tira o leite, do armário tira uma caneca e verte o leite lá para dentro, escancara o micro-ondas e põe o leite a aquecer enquanto vai à despensa buscar bolachas e na volta corta uma fatia de bolo de chocolate... o micro-ondas apita porque acabou o serviço e a porta é novamente escancarada para logo depois uma cadeira ser arrastada e ele se sentar sem ruído... porque contém um suspiro cansado.

No meio de tudo isto há um barulho que não cessou - a caneta a raspar o papel enquanto escrevo...

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