terça-feira, 31 de maio de 2011

Movimento 'Sim'

Com o apoio da Radio Comercial a Samsung lançou o 'Movimento Sim' para dar suporte à criatividade em Portugal. Vou inscrever o meu blogue, olaré! Sei que sou original e atípica no que escrevo. Sou tão atípica que criei um blogue que não é mau nem bom, o que o torna... atípico, tão atípico que não consigo descrevê-lo. E daí nasce uma originalidade tamanha que faz com que este seja um blogue do caraças.

Actualidade

Em Espanha há pepinos com bactérias.
Na Alemanha há doentes com bactérias e defuntos devido às mesmas.
Em Portugal os x-actos são armas brancas.

Politiquices

Lembrei-me agora: Francisco Louçã faz-me lembrar um pregador daqueles muito chatos. Até a música da campanha do BE no Radio é deveras aborrecida de se ouvir!

Politiquices

Sou tão aversa a tomar parte seja naquilo que for que não tenho cor política. Este fim-de-semana a minha mãe até me disse: 'Tu és inconstante, filha!' Ela quer, porque quer, que eu adira aos seus ideais, mas eu não funciono assim. Normalmente, para me decidir, ouço a campanha eleitoral com atenção e vou tirando as minhas ilações, depois, no dia destinado, voto. E nunca votei intranquila.

A doença

Estou aqui que não posso, rebentando de alegria, finalmente tenho uma doença da qual posso falar. Agora sou uma pessoa feliz, atingi os níveis de normalidade, tenho uma doença que não é vergonha nenhuma: tensão baixa. Oh, não é fantástico?! Ok, não é bem, bem uma doença, mas pode fazer de conta, não pode?!

Chocolatinhos

Fui ao Ikea comprar chocolates – não foi bem assim mas se eu dissesse o que fui lá comprar não tinha graça, logo... - fui ao Ikea comprar chocolates. A moça que me atendeu perguntou no final:
'É só?'
Alguém respondeu por mim:
'Por agora é, a gente vem cá depois buscar o resto'.
E eu acrescento, muito séria:
' Agora vamos a casa pôr isto e depois vimos outra vez para aqui. Fecha às onze, não é?'
Eu, que muitas vezes digo as minhas piadas séria, deixei a rapariga atarantada, sem saber o que dizer. Acheipor bem presenteá-la com um generoso sorriso para a deixar descansada, pobrezita, e ela começa a desbobinar.
«Que já chegou de trabalho no sábado até às duas da manhã, que ninguém estava preparado para o corropio que foi a promoção do primeiro aniversário da loja em Loures, que a expectativa em termos de números era alta mas haviam ultrapassado trezentos mil euros.»
Fiquei séria de novo:
'Haja alguém que venda.'
Entretanto lembrei-me que comentara com o meu colega a meio da manhã que só vendera duas velas e quatro rolos de papel higiénico. Haja alguém que venda...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O espectáculo

Ontem fui ver o Pedro Tochas ao Casino do Parque das Nações. É verdade, eu estava lá. Se alguém lá estava também ponha o dedo no ar... Ninguém?! Ok. Estavam lá seiscentas pessoas mas nenhuma lê este blogue, claro. Se lê, ok, peço desculpa, não está a ler este post.
É certo e sabido que os comediantes centram as suas piadas em determinados grupos ou tipos de pessoas: os religiosos, os velhos, os de inteligência fraca, os chico-espertos, os militares, as freiras e tal e tal. E normalmente satiriza-se as atitudes e manias em comum que os grupos possuem. Ora bem, o bicho falou em blogues. Não curti. Pronto. Mas... Eh pá! Passou-se, o bicho tem montes de piada.
Ele descrevia por meio de gestos alguém com o hobbie parvo(porque toda a gente tem um hobbie... que pode muito bem ser parvo), lamber morangos no supermercado, e que à noite essa pessoa escreveria no blogue: 'Hoje estive no Continente e lambi todos os morangos que estavam nas caixas do lado esquerdo.'
Ora bem, agora vai a bicha que escreve este blogue falar.

Loures, 29 de Maio de 2011

Hoje fui ver o espectáculo do Tochas. Achei muito giro, fartei-me de rir. Depois fui ao HardRock Café beber uma marguerita e comer uns nachos machos. Estes estavam muito saborosos mas a marguerita estava espantosa: muito álcool, muito sal fino na borda do copo, muita lima, nham nham. No entanto fez-me um efeito estranho, fiquei logo toda maluca e muito balanceante, parecia que andava à deriva num barco minúsculo e que a música e as vozes de fundo era uma tempestade lá ao longe que em breve se faria chegada.

(Sim, foi uma marguerita que eu bebi, uma só.)

Fiz várias tentativas para me levantar mas sempre me dava uma sensação muito desconcertante que me fazia desistir. Quando achei que já não corria o risco de me estatelar no chão dirigi-me ao WC. Olhei-me ao espelho, este amiguinho reflectia a imagem de uma mulher com as faces rosadas e os olhos vítreos. Estiveste a beber, Gina Maria... Ai, ai, ai. Dancei frente ao espelho e disse e fiz coisas que também faço quando não tenho porra de marguerita nenhuma no bucho. Ou seja, não preciso de álcool no sangue para disparatar, a minha cabeça já funcionava mal antes da marguerita.

(Eu bebi uma marguerita apenas, a sério que sim.)

E pronto. Era isto. O que vale é que ninguém lê um post tão comprido, tenho a certeza de que ninguém chegará e este parágrafo.

A relação virtual-real

Não ser conhecida na blogosfera é uma mais-valia quando desejo não ser reconhecida na vida real. Ajeito-me com esta simples ideia, por vezes, especialmente quando quero dizer coisas e relatar factos objectivamente. Sendo pequenina na blogosfera é quase certo que não vêm ralhar comigo porque não tenho nada que andar a escrever da vida das pessoas e mais não sei quê. Por não ser conhecida no virtual ninguém me vem pedir contas no real. Fantástico, não? Claro que sim. Muito. Posso escrever sem reservas, ninguém procura uma drogaria suja e entupida de material que tem lá dentro um balcão partido onde repousam trastes que não lembram a ninguém e esconde uma mulher de meia idade, maltrapilha, sisuda e gasta pelo tempo. É por isso que posso ser atrevida e declarar e relatar o que bem me apetece: cenas carregadas de pormenores. E ainda tenho o desplante de não me esconder nem um bocadinho...

Lisboa, 30 de Maio de 2011

Eram catorze e quarenta e cinco. Um Fiat Punto vermelho queimado pelo sol estava estacionado em frente à saída duma garagem da Avenida Guerra Junqueiro, saía lá de dentro a música num som tão alto quanto se possa imaginar, uma daquelas músicas com brejeirices de Verão mas cantada por uma criança.

Eram três e trinta e três da tarde. A porta do número quinze da Rua Rosa Damasceno abre-se para deixar passar uma septuagenária que havia saído do cabeleireiro – tinha a cabeça num primor. O tempo hoje não está favorável aos aprimorados, está frio e vento e caem umas pinguinhas de chuva aqui e ali. 'Ai que horror, sair dali com a cabeça quente e dar logo de caras com este frio!' Diz ela toda encolhida. Este tempo não favorece os aprimorados e os temerários a doenças.

O balde que não foi debalde

Uma mulher comprou um balde. Falou de Deus e de espiritualidades e disse que tinha sentido que devia entrar, que tinha um balde no carro e que não precisava de um, portanto, mas havia sentido algo a puxá-la para entrar, vinha de Deus a presença que a puxara para ali de certezinha.
Tenho uma tendência natural para não acreditar neste tipo de coisas, o campo espiritual exige que se acredite e, querendo, é muito fácil acreditar. Cada um compõe a história à sua maneira, aos outros fica-se-lhes a dúvida ou o credo. Acreditamos naquilo que queremos, eu até posso duvidar do que escrevo neste momento, basta querer.

A chuva

Não há dia de chuva neste país sem que pelo menos uma das estações de Radio passe 'Let it rain' da Amanda Marshal. Os programadores das emissões querem lembrar os ouvintes de que a chuva é algo bom e maravilhoso, refresca as cabeças, purifica os sentidos. Ficamos contentes com a vida que arranjámos:
'Afinal sou feliz, pá!'
É isto o que os programadores - ou locutores, lembrei-me agora - das radios nos querem fazer ver.
A satisfação que possamos tirar das nossas vidas pode ser agradável e, não sendo essa a essência do ser humano, que o que a malta gosta é de queixinhas, é melhor aproveitar estes bocadinhos de coisas boas com que a vida por vezes nos trata.

Terminus

Acabei de ler o livro 'A vida secreta de uma mãe desleixada' de Fiona Neill. Adorei lê-lo, cinco páginas antes de o terminar já tinha saudades de Lucy Sweeney, uma personagem sábia e inteligente para com muitos aspectos da sua vida, nomeadamente a essência da maternidade, mas desastrada no que toca a tarefas domésticas.

Marido surdo e mulher cega fazem sempre um casal feliz.

Deixo as lentes de contacto de molho numa chávena de café e acordo de manhã para descobrir que o Marido com Mau Feitio as engoliu durante a noite. Pela segunda vez em menos de um ano. «Mas eu disse que as tinha lá posto», protesto. «Não podes estar à espera que me lembre desses pormenores», diz ele. «E desta vez não vou vomitar. Usa os óculos.»

A trama tem também um elemento chave para captar a atenção do comum mortal: sexo e traição. A Lucy Sweeney... Hum...

    O que procuram os homens nas mulheres? 
    Os contornos do Desejo Saciado 
    O que procuram as mulheres nos homens? 
    Os contornos do Desejo Saciado* 
    William Blake

*Poema apresentado na página 272.

E pronto, gostei do livro. A escrita é clara, sem entupimentos, flui livremente. É um prazer ler histórias assim, normalmente os autores que adjectivam muito ou usam muitas vírgulas confundem-me e acabo por esmorecer na leitura. Ler o que eu gostaria de ter escrito agrada-me, deve ser isso. No fundo gosto de ler... como eu escreveria, se o soubesse fazer.
Este livro teve ainda um ponto positivo que quero registar, aprendi uma palavra nova: quiproquó.


Quiproquó

substantivo masculino

1. Engano, confusão que consiste em entender uma coisa ao contrário do que ela significa, em tomar um objecto! por outro diametralmente oposto, etc.

2. Tolice; trocadilho.

Fonte: priberam.pt

Fim-de-semana

Os meus pais passaram o fim-de-semana cá em casa. Foi muito diferente de falar com eles ao telefone, ao vivo é bem melhor. A distância e a separação física encolhem o prazer de falar com alguém.

– Gina, olha lá, vais a conduzir só com uma mão, até parece que é uma coisa fácil. - Refere a minha mãe, espantada com o meu desempenho.
– Às vezes é. Agora está a ser. - Mas achei por bem colocar a outra mão no voltante.

– Ai, eu não vou aí! - Diz a minha mãe quando viu que havia passadeira rolante à vista.
– Hum... Eu também não gosto muito disto, não penses. - Diz o meu pai, como que em socorro da atrapalhação da minha mãe, para que ela não se sentisse sozinha nos medos.

O transeunte

A alminha que inventou a palavra 'transeunte' não tinha mais nada que fazer.
A alminha que inventou o modo de escrever a palavra 'transeunte' não falou previamente com a alminha que a inventou.
As alminhas que escrevem a palavra 'transeunte' estão safas de fazer más figuras.
As alminhas que proferem a palavra 'transeunte' vêem-se a braços com o feio que é ouvi-la.

'Transeunte' diz-se 'tranziúnte'...

Transeunte (ziú)

adjectivo 2 g.
1. Que passa, que não dura, que não permanece.
2. Filos. Que passa da causa ao efeito.

adjectivo 2 g. substantivo 2 g.

3. Que ou quem passa por lugar ou rua. = andante, passante
facto transeunte: o que não deixa vestígio presente, como o facto simples, a injúria verbal, etc. (Opõe-se a facto permanente.)

Fonte: priberam.pt

Coisas...

… Que só se podem fotografar em tráfego de trânsito muito intenso.

Lisboa - A8 e Campo Grande, 30 de Maio de 2011

O filtro solar e as cores da minha bandeira

Lisboa - Parque das Nações, 29 de Maio de 2011

Às vezes é-se favorecido ao estacionar...

Lisboa - Parque das Nações, 29 de Maio de 2011

Disputa

Lisboa - Calçada de Carriche, 30 de Maio de 2011

As pessoas deviam disputar chaminés, a ver quem tem a mais linda. Disputam tudo: vestidos, carros, casas, penteados e feitio de barba, cargos e remunerações. Disputem a chaminé, vá lá. Discutam a estética, os materiais, a qualidade. Sejam criativos, promovam a originalidade – disputem a chaminé mais linda. Disputem que quem disputa... diz puta.

Plantada e sentada

Lisboa, 27 de Maio de 2011

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Na avenida

Emoção forte é a gente estar numa daquelas divisórias – estreitas! - entre sentidos de trânsito esperando que o sinal abra. Fomos atrevidotas mas não pudemos sê-lo até ao fim da linha, ficámos estancadas ali, a meio caminho, como peixe na rede que se sente morrer com a água ali tão perto. Ai ai ai, como e quando é que a gente sai daqui?
Emoção forte é a gente estar aí, na estreita divisória, tão expectantes quanto assustadas, e passarem à justa dois carros por nós, e no preciso instante em que se cruzam, fazem-no razando a nossa desprotegida figura. Vrrum, vrrum! E a gente abriu a boca com o tamanho susto mas não saíu qualquer som da nossa garganta. O que a gente faz é escrever. E as coisas passam a ter piada...

A mesa quadrada

Eram quatro e falavam do Facebook, coleguismo e outras coisas sem relevo para mim. E eu, alternadamente, só tinha olhos para a lombada de um livro onde se lia em letras gordas: ' O Paradoxo Sexual' e o cu espetado de um homem que espiolhava qualquer coisa nas prateleiras de baixo.
Dei por mim a escrever pequenino, pequenino. Percebi que era porque receava que eles lessem o que eu estava a escrever. Às vezes acho-me importante.

Atrium Saldanha

Sete e meia da tarde, eu estava no Atrium Saldanha ouvindo tocar piano ao vivo. Marimbei para o decoro e sentei-me ao lado de um senhor de fato e gravata, havendo, contudo, largueza entre nós, que eu cá não sou de encostos. Para me sentar dei meia volta e a minha saia rodada girou de tal forma que assentou muito próximo do dito senhor, eu e a minha saia ocupávamos o espaço a dobrar. O homem entesou-se todo, não se sentiu nada à-vontade com a roda da minha saia. Num gesto rápido mas cheio de um saber muito feminino cheguei a saia para ao pé de mim, não gosto de trazer problemas a pessoas sensíveis a feminilidades, os pobres sofrem imenso com este tipo de complicações nas suas vidas.
Esqueci o homem. Pousei o olhar no pianista e apurei o ouvido para desfrutar o momento. Não é a primeira vez que estou ali àquela hora ouvindo a música mas nunca tinha reparado que o pianista é cego, reparei que não havia pauta e que o olhar dele, ainda que sem vida, estava carregado de emoção. É a música...
Fiquei ali a escrever umas coisas. Minutos depois a minha atenção desvia-se da música e da escrita. Chega uma mulher com uma indumentária ridícula tendo em conta a idade avançada. O penteado eram dois totós e a roupa às riscas conferia-lhe um ar infantil, parecia que tinha acabado de dar um espectáculo circense e, sem ter tempo para se preparar, tinha vindo directa para ali.
A música parou abruptamente. A mulher dos totós bateu palmas timidamente, ponderei se havia de lhe fazer companhia mas não cheguei a mover-me e tal como eu mais ninguém se dipôs a isso. O pianista pareceu estranhar os aplausos e rodou a cabeça em direcção ao som, vi-lhe um olhar agradecido e, apesar de eu saber da cegueira, parecia mesmo que estava a olhar para a mulher dos totós, essa visão colorida.
Depois, surpresa das surpresas, ele levantou-se e com a ajuda de uma outra senhora que apareceu não sei donde veio ter comigo. Quero dizer, comigo não, com a dos totós. Sorriram-se muito, deram-se beijinhos e ela queixou-se de ela estar suado...
– Ai 'tá todo suado! Vá lá fora refrescar-se, vá. Até já.
Bazei. Acabara a comédia.

Afinal...

Os clientes filhos da puta não costumam dar entrada no meu blogue. Primeiro porque não quero perder tempo descrevendo os maus tratos a que sou submetida em certas ocasiões, segundo porque não quero dar de caras com más recordações um dia que releia o que escrevi.
Mas este cliente filho da puta é especial, vale a pena escrevê-lo, ainda que não me vá alongar muito.
Um dia já distante foi o que foi, não interessa. Hoje foi menina para aqui, menina para ali, sorrisos e boas tardes, gestos cordiais e outras coisas ridículas. Ridículas porque foi dele que saíram. Porquê a mudança radical? Hum... Descobriu que eu estou mais rodeada de família do que seria suposto. Descobriu que trabalho rodeada de família muito, muito chegada...
Mas eu também não me descoso, sou formal no trato e daí não passo. Dizem que a gente deve dar lambadas com uma luva de pelica e a formalidade com que o trato chega para tal.
Mas no blogue sou diferente:

Tens medo que te rachem os cornos ao meio. Cobarde. Não sou de queixinhas, safo-me sozinha. Grande besta. E safo-me bem. Cabrão de merda. Filho da puta.

A dieta

Rodolfo, doente do coração pelo excesso de peso, tinha sido aconselhado pelo médico a iniciar uma dieta equilibrada, era forçoso comer de duas em duas horas, a menos que quisesse morrer brevemente. Ercília, esposa dedicada, providenciava as porções: uma bolachinha, uma laranjinha, um pacotinho de leite. Acondicionava tudo na lancheira e levava na longa viagem das terças, quintas, sextas, sábados e domingos.
Íam na carrinha Ford Transit, uma geringonça com quatro rodas e um motor cansado que albergava nove pessoas. Era noite cerrada, a geringonça descrevia as curvas sem despacho, rectas também não era com ela mas os ocupantes chegavam ilesos ao seu destino. Fazia um frio de rachar, aquelas paragens saloias nunca foram fáceis em tempo húmido. Às vezes, para distrair e esquecer as incontornáveis questões da natureza, cantavam em uníssono, outras contavam situações das suas vidas, engrandecendo sempre o nome do Senhor, que só Ele é digno de louvor, que a tribulação vem sim senhores, a tentação faz parte, mas Deus é Pai, não padrasto, e dono da soberania.
– Está na hora da paparoca! - Diz Ercília, a zelosa esposa. Saca a bolachinha Cream Crakers de dentro da lancheira, eleva-a no ar como se estivesse a fazer uma apresentação artística a um palco atulhado de espectadores, aqueles furinhos da bolacha filtrando a luz, como holofotes minúsculos e foscos.
Perante o cenário Rodolfo faz uma cara descontente, mas finge, adora ser paparicado por Ercília, o carinho e atenção da esposa-mãe são mimalhices reconfortantes. É a sua vez de mostrar ao mundo a beleza rara que é uma bolacha Cream Crakers. Sorri, satisfeito afinal. Mostra uma dentadura invulgar, existe um espaço entre cada um dos quatro dentes da frente onde caberia outro dente, se as gengivas daquele homem fossem todas preenchidas teria mais uma série de dentes do que o resto das pessoas que viajavam na carrinha...
Aqueles dentinhos da frente muito ralos, uma dentadura dente-sim/dente-não e a cara cheia de sinais é o que melhor lhe recordo.
Rodolfo, mui caro amiguxo doutros tempos e doutras vontades, se um dia eu voltasse a vê-lo seria um prazer imenso.

Precedência ao próximo post

– Lembras-te como se chamava a mulher do Rodolfo?
– Era a Rodolfa.
– Oh! Não era nada, a gente é que lhe chamava assim.
- Não me lembro...
- Não era Ermelinda?
- Não... Era Celina ou uma coisa assim.
- Olha, sabes que mais? Fica Ermelinda e pronto.
- É uma pena mas a gente não lhes pode perguntar, já morreram os dois.
- Qual dos dois morreu primeiro?
- Ela.
– Ah... Não me lembrava.

Depois veio-me à memória, por obra do acaso ou então porque a minha memória é competente e mantém os ficheiros à tona: É Ercília! A mulher do Rodolfo é Ercília! Telefonei-lhe: 21 ti ti ti ti ti ti ti.

- ***** & *******, boa tarde!
– Ercília!
– Hã?!
– A mulher do Rodolfo! Era Ercília!
– Ah...

Missão cumprida, ou uma espécie disso.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Champô Johnson's

Na 'Caderneta de Cromos' da Radio Comercial, uma rubrica de Nuno Markl, é comum ele lembrar produtos do antigamente. Fala tão eloquentemente da saudade dos tempos em que os tais produtos faziam parte das nossas vidas que faz crer a quem o ouve a total inexistência dos mesmos, quando a maioria deles ainda subsiste.
Hoje foi a vez de o Nuno Markl lembrar o champô Johnson's para bebé, sendo que desta feita não fez referência ao seu desuso mas sim à alteração do cheiro. Depois de ouvir esta afirmação dirigi-me à prateleira e saquei rapidamente uma embalagem desse champô, abri a tampa e meti lá o nariz. Não cheira, não... O bicho tem razão, o champô Johnson's não tem o cheiro de outrora.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

As margens

Lisboa - Cais do Sodré, 25 de Maio de 2011

Enquanto Milena observava as águas do Tejo como se no mundo não existisse mais nada para fazer, na outra margem, Isabela tratava do jantar e dava apoio à família.
Qual das duas seria a mais - ou a menos... - feliz?

Chupão

Há pessoas que tiram um dia para chupar os dentes. Um dia em concreto: 25 de Maio de 2011. É como tirar um dia para descansar ou passear. Ou tratar de alguma papelada pendente. Neste caso o dia 25 de Maio de 2011 é para chupar os dentes, que há coisas que fazem muita falta.

O espirro

Espirrei. Na mesa ao lado três cadeiras foram afastadas para trás com estardalhaço e os três ocupantes puseram-se a caminho com tal vontade que... Esperariam o espirro?! Seria a ordem de comando?! Calhando...

Politiquices

Vi na TV o Passos Coelho empoleirado num escadote a colher cerejas e a levá-las à boca. Fiquei boquiaberta, atónita com a visão. Oh céus... O homem come!

Em estágio

Lisboa, 25 de maio de 2011

A menina do café admoestou a nova estagiária:
– Esta senhora paga só cinquenta e cinco cêntimos.
– Não tem cartão...
– Mas é assim! Porque... Porque sim!
Socorri a novata:
– É um prémio de assiduidade que a sua colega me dá.
– Ah... - Faz ela.
– É, é isso. – Diz a outra, parecendo aliviada com o socorro, lembrando-me que as minhas palavras têm sempre algo de contraditório.
E pronto, menina mais nova do pedaço, amanhã já sabe: cinquenta e cinco cêntimos por uma chávena do melhor café de Lisboa, ok?

$$$

Se trabalhar fosse agradável não era preciso pagar a alguém para produzir.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Nada

Quatro dias... Não escrevi. Não tive a companhia das pessoas que compõem os meus textos. Ando por aqui e por ali, num pára-arranca sem razão. Sozinha. Ainda fui espreitar a máquina fotográfica, não fosse ter clicado direito a alguma imagem e não me lembrasse. Nada. Nada, nada, nada.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O c*** **t* *o** *u**

Queria ser poeta, era bem mais fácil escrever. Seria tão bom eu saber versejar! Mas versejar em grande, ter alma intensa de poeta, nada de tretas parecidas com o que escrevi no post anterior. Seria tão bom... Um prazer incomensurável. Uma poetisa que repousa nas palavras, que derrama sentimentos sem se desmascarar, sem nunca se traír a si mesma. Escrever das dores e fazer com que não parecesse uma pessoa irascível.

Não sou capaz. Eu cá escrevo... Ou então não.

Outra coisa

Quando meto uma coisa na cabeça...
é teimosia,
é não olhar à volta,
é destratar o real.
Quando meto a cabeça numa coisa...
é leviandade,
é arrojo,
é poderio.

A coisa

Quando penso muito na coisa, quando a desejo com fervor, é certo que vem ter comigo. Preciso dessa coisa desesperadamente. Vem depressa, por favor.

Sai

Quando ela sente la fou chose próxima, tão próxima que lhe sente o bafo húmido, sai dali muito depressa. Mas não é solução, la fou chose espera-a, desta vez pior que antes: transformada em bonne chose. Enquanto não se apercebe do perigo, saltita entre uma e outra chose, feliz, adormecida.
Seria mais fácil dar a primazia à fou chose, ela sabe-o bem... Mas a razão, essa louca, não deixa.

Moldura

Lisboa - Praça de Londres (vista da Av. Guerra Junqueiro), 20 de Maio de 2011

Precisa-se

Preciso de alguém que faça perguntas

Preciso de alguém que não espere respostas

Preciso de alguém que ouça sem contrapôr

Não conheço ninguém com estas capacidades e como falar para alguém imaginário não faz o meu género resta-me a esperança de que o leitor queira candidatar-se ao cargo.


Bairro do Amor, Jorge Palma

No bairro do amor a vida é um carrossel
onde há sempre lugar para mais alguém
o bairro do amor foi feito a lápis de cor
por gente que sofreu por não ter ningém

No bairro do amor o tempo morre devagar
num cachimbo a rodar de mão em mão
no bairro do amor há quem pergunte a sorrir:
será que ainda cá estamos no fim do verão?

Eh, pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair-me um pouco
eu sei que tu compreendes bem

No bairro do amor a vida corre sempre igual
de café em café, de bar em bar
no bairro do amor o sol parece maior
e há ondas de ternura em cada olhar

O bairro do amor é uma zona marginal
onde não há prisões nem hospitais
no bairro do amor cada um tem que tratar
das suas nódoas negras sentimentais


Fonte: http://www.vagalume.com.br

quinta-feira, 19 de maio de 2011

lista

• ando
• com
• vontade
• de
• escrever
• em
• lista
• dá
• jeito
• é
• mais
• fácil
• organizar
• os
• pensamentos
• mas
• perde-se
• o
• fio
• condutor
• da
• prosa
• e
• rouba
• a
• emoção
• ao
• que
• escrevo

O escrito da bruxa

Visão: a bruxa anda com um penso no cocuruto.

Lembrança: a minha mãe chama 'escrito' aos pensos que se usam quando nos aleijamos.

Conjectura: a bruxa caíu e bateu com os cornos no chão.

Desatino: não há nada que a mate!

O cliente

Tinha uma colecção invulgar: burros. Burros de louça, de cortiça e sei lá mais o quê. Diz que haviam vindo de diversas partes do mundo, conforme eram as viagens. Colecção do caraças... Ocupavam toda uma prateleira de um móvel nada pequeno. Havia ainda lá ao canto um burro enorme em peluche.

Tinha um cão preso numa divisão que ladrava sempre que achava que estava a passar-se algo de excitante. A prisão é do piorio, pobre animal, mas suponho que o senhor o prendera por não ser de confiança.

Tinha outro cão aleijado das duas patas traseiras, uma encolhida, tanto que nem tocava no chão por mais que se esforçasse e a outra estava de esguelha. Tinha uma figura estranha, o bicho. Rosnou-me quando me aproximei para escrutinar a imensidão de burros. Não fiz caso, não meteu medo, é uma daqueles cães que a gente rosna para eles ou bate o pé e cagam-se todos de medo.

Curioso, este lar.

A Etelvina e suas coisas espantosas

Por volta das dez e meia da manhã já andava na rua.
Madrugou...

Comprou-me um frasco de óleo de cedro porque estava a chover e ela não estava para ir ali assim onde costuma.
Há dias de sorte...

Sorri-lhe e ela sorriu-me de volta.
Coisa rara...

Estratégia

Vou dar um conselho aos meus colegas balconistas. Vou dar porque não os vendo.
Quando um cliente quiser saber de antemão o preço de várias unidades do mesmo artigo, façam-no saber primariamente a totalidade. Ele espantar-se-á, é o que temos mais certo, e vocês sabem isso tão bem como eu. Depois, enquanto o espanto ainda perdura, anunciem o preço unitário. Verão a sua expressão descontrair... Aí, aproveitem para os presentear com um belo sorriso. Não faz mal se tiverem os dentes podres, não se apoquentem com isso, o que interessa é a simpatia genuína. Caso não a possuam, esforcem-se ao máximo para sorrir, aqui também pouco importa se a atitude é verdadeira ou então não (felizmente não tenho de me esforçar muito nesse sentido). Ficarão com aquela sensação fantástica de que conseguiriam vender a loja toda se fosse caso disso, o que é verdadeiramente lisonjeador, muito embora tal não passe de uma ideia na vossa cabeça.

...

Lisboa, 19 de Maio de 2011

Sou leiga no que toca a fotografar, sou demasiado singela. Tenho um secreto desejo ganhando forma, o de fotografar pessoas. Nada há mais interessante para fotografar do que as pessoas, as pessoas são a essência da vida, mais que tudo são movimento, são expressões, sentires, fôlego.

Ele telefonou:

Dona Gina, é só para dizer que estou vivo!

Eu até nem queria pensar aquelas coisas todas que pensei quando reconheci a voz do homem. É um vendedor chato-chato-chato-chato que não aparece há que tempos e do qual não tenho-não tenho-não tenho-não tenho saudades. Não queria pensar mas pensei. E foi sentido.

A julgar...

… pelas novas tabelas que vou recebendo, o incremento tem sido o responsável pelo aumento dos preços.


Incremento: substantivo masculino

Aumento; desenvolvimento.




Fonte: priberam.pt

Viver

Cheio de propriedade, diz ele assim:

– Enquanto for vivo hei-de trabalhar até morrer!

Adenda ao post anterior

Eu sou inteligente. Muito. Não, não escrevi minto, escrevi muito.

Burrice

Os seres humanos são por natureza burros, diz ele. Ele dizer, disse, mas discordei da ideia, sempre me pareceu que as pessoas são todas inteligentes. Até um dia. Um dia die por mim observando a envolvência do Wrestling e concluí, uma vez mais, que aquilo não tem piléria nenhuma, sabe-se que é tudo mentira, todos fingem que batem vigorosamente e que lhes dói à farta. Se toda a gente sabe que é uma fantochada do caraças porque ficamos colados à TV à espera de ver acontecer o que sabemos de antemão?!
Entretanto também me lembrei do o humor dos Gato Fedorento e outros que tais. Mas aquilo tem alguma graça?! Aprende-se coisas que não se conhecia?! São na maioria coisas tão básicas, tão rasteiras que a sensação que tenho é a de que qualquer pessoa conseguiria criar humor.

...

A gota d' hoje


A gota d' água


A gota d' encanto 

Lisboa, 19 de Maio de 2011

Extra! Extra! Extra!

Na rua da Rosa acontecem coisas verdadeiramente espantosas, uma senhora contou-me que levou um bofetada do marido porque comprou (e eu vendi) um produto que estava seco dentro da embalagem. Isto é cá um extra! Olha só aquilo com que sou responsabilizada. Reponsabilizada mas também importante, o que me leva a pensar que as coisas más têm sempre um lado mau, quanto mais não seja para um dos intervenientes - eu.

Lição nº 1

Boa tarde, o meu nome é Gina e estamos aqui reunidos para aprender. Agradeço desde já a vossa presença, peço a vossa atenção e espero que gostem de me ouvir, até porque alongar-me em explicações não é comigo.

Não existem 'artigos normais'. Não existem fechaduras normais, lâmpadas normais, diluentes normais, torneiras normais. É no balcão que as coisas adquirem a sua especificidade, pois de contrário venderemos uma coisa qualquer. Existem artigos vulgares, isso sim. Vulgares no sentido de serem muito comercializados.
Portanto, ponto de partida: não há normalidade para o conteúdo das prateleiras duma loja.

terça-feira, 17 de maio de 2011

0,01 €

Vi um cêntimo no chão. Contrariamente ao meu costume não me baixei para o apanhar. Motivo: simultaneamente, a minha indumentária e o acto de me baixar não fariam jus ao decoro que tanto me caracteriza.


Não explico isto melhor, perderia a postura de senhora decorosa. Mas acho que dá para perceber assim como está. Caso não dê, o leitor manifeste-se. Terei todo o prazer em falar disto outra vez porque:

• adoro que me façam perguntas, faz-me sentir importante
• o meu decoro é totalmente falso, na verdade nem existe.

A boa

A boa do escritório – é claro que a mulher tem nome mas para que é que isso interessa, não é verdade? - vem vindo com seu passo sedutor. Estou na rua, lavo os vidros empoleirada num banco, usando a roupa básica e desengraçada com que trabalho. Ela passa e não diz nada. Que mal educada, a boa do escritório, pensei eu.
Mais tarde, eu tinha ido depositar uma soma avultada de dinheiro – a gente sempre pode pensar em grande... - a boa do escritório cruza-se comigo à saída do banco. Desta feita envergo um vestido giríssimo feito por mim, estou aperaltada, portanto.
– Olá! Está boa?
Cumprimenta-me ela cheia de alegria. Respondi-lhe no mesmo tom efusivo e usei as mesmas palavras que ela, porém desejosa de dizer antes assim:
'Claro que estou boa, ó boa do escritório, estou mesmo muito boa, obrigadinha.'

Ai que putas... Credo!

Muito sonho eu...

Costumo incluir alguns homens nos meus sonhos, sendo que raramente um deles é o meu. E sendo que esses sonhos são geralmente sobre trabalho deduzo que afinal não tenho assim tanta imaginação...

Sonho

Um familiar morria-me nos braços. Debatia-se e dizia: 'estou a esvair, estou a esvair...' Arfava e suspirava em grande aflição. Eu segurava-o com força e tentava acalmá-lo o melhor que sabia, já que não sou uma pessoa muito expansiva, nem me entrego às pessoas por aí além. Por entre suspiros, num sussurro ele ia-me dando orientações para a minha vida futura, pistas daquilo que devia fazer quando ele fechasse os olhos.
Não sei se este sonho estará muito fora da minha realidade...

Prurido

Estive a contar ao meu colega a aventura que foi assoar-me à própria mão em plena Rua Morais Soares (Lisboa) e que ainda pensei se limpava às calças ou deixava secar mas com o calor que estava e enquanto decidia a minha vida com tamanha atribulação o ranho secou. Ele riu-se. Eu disse-lhe que tinha de lhe contar estas coisas porque é o tipo de acontecimento que não pode ser partilhado no meu blogue por partir de uma mulher. Temos de ser umas senhoras... Muito embora eu faça por fugir à regra.

O amigo

Um amigo entrou na loja enquanto eu escrevia desenfreadamente um dos posts de hoje. Veio apenas para me cumprimentar e saber como estou. Este amigo sabe que tenho um blogue e sabe que tenho o gosto pela escrita. Sabe também o endereço electrónico do meu 'Verde Água' mas não creio que alguma vez tenha lido uma linha escrita por mim.
Quando me pediu desculpa por interromper o que eu estava a fazer disse-lhe que não fazia mal nenhum, que estava a escrever. Não senti o pudor parvo do costume, mencionei o que estava a fazer, talvez numa tentativa de depoletar a curiosidade, de anunciar a minha criatividade sem reservas. Mas ele não se deixou levar nem mostrou qualquer surpresa. O mais certo é ter pensado que eu escrevia uma cartinha a um dos meus clientes ou fornecedores, que é coisa para não ter piléria nenhuma.

Favorzinhos

A senhora doutora vem sempre com berbicachos para eu compôr.
Um candeeirinho portátil a que faltava a minúscula lâmpada e pilhas AA. Plim!, die à luz e fiz a doutora feliz.
Um suporte de fita-cola muito precisado de abastecimento. Clique!, já está, doutora. Quero dizer... se calhar não, isto é muito bonito mas pouco funcional. Reparei que a fita não se deixava cortar. Ah, não faz mal, diz a doutora, mesmo assim contente com o meu desempenho.
Foi daqui tratada e aviada, e muito bem, que eu não sou de dar patadas a ninguém.

Domingos Paciência

Nota prévia:
O título deste post não tem nada a ver com o que vou escrever. Acontece, porém, que ouvi dizer que se a gente puser um nome relacionado com o futebol - ou política, agora também está a dar - no título de um post, esse mesmo post terá grandes probabilidades de ser encontrado pelo Google. (Oh glória terrestre!) Logo... Há mais hipóteses de alguém ler as parvoíces que vou escrever já de seguida. (Oh imensa glória terrestre!)

Chamavam-lhe o senhor Paciência e dizia-se que era paneleiro. Morava num cubículo montado numa escadaria daquelas que liga duas ruas, ali para os lados da saloiada. A bem dizer o homem morava numa barraca, nem sei se pagava renda a alguém. Havia flores e plantas a toda a volta da casa. Muitas, muitas. Tanto que mal se via a porta de entrada. O espaço não tinha mais que três metros quadrados e segundo se consta tinha lá dentro tudo quanto proporciona conforto. Era uma casinha muito invulgar, atípica, cheia de bocadinhos de todas as coisas, denunciando um morador excêntrico. Coisas da paneleiragem...
Há uma parte da saloiada que não visito há muito tempo, já não deve existir essa casa, tenho de lá ir para me certificar.

?!

Um homem de cabelo comprido e desgrenhado – leia-se seboso - comprou uma barrinha de sabão azul e branco. Deve ir daqui lavar a cabeça, com certeza.

Eu faço tantas associações destas que até a mim me chateia...

Cala a boca!

Temos de dar graças a Deus por tudo – o bom, o mau e ainda o assim-assim -, o que é de uma conveniência do caraças. Tipo assim como quando a vida não agrada, ou quando os dirigentes religiosos não têm respostas para as perguntas que lhes fazem. Temos de dar graças... E cala a boca.

Falar

Um dia compreendi que falar sozinha não é defeito nem carece de embaraço. Falava sozinha com o mesmo intuito com que escrevo: para me organizar mentalmente. Passei a achar a coisa natural, muito embora me tenha forçado a isso.
Ainda falo sozinha... mas sem nexo e com palavras que nem sequer existem e não organizo ideias nenhumas, antes pelo contrário, vejo-me e desejo-me para me manter lúcida e orientada.

O patriota

Ver um monhé com uma t-shirt dizendo Portugal em letras gordas é coisa para me acariciar o patriotismo. O chato é ele cheirar a caril... (Leia-se suor retardado.)

Recordação

JÁ CÁ DEVIAS ESTAR!

Fazes falta, despacha-te lá. Já cá devias estar! Tens de vender um parafuso para atarrachar no tampo de sanita da dona Josefina e ouvi-la contar da nova directora do colégio e da remoção da mama. Vá, anda lá que já cá devias estar...

Vintage


Atentai no registo publicitário de antigamente.
Querendo comprar, eu vendo.

Passeio inesperado





Lisboa - Avenida de Ceuta, 17 de Maio de 2011

A dona Marta

A dona Marta diz que pode contar-me todas as coisas da sua vida passada porque eu não sou pessoa para dar com a língua nos dentes como outras que ela conhece fazem...


Que foi virgem (muito virgem mesmo) até aos 42 anos
Que conheceu um oficial do exército e pimba
Que o oficial era casado e tinha filhos mas pimba na mesma
Que depois de o filho nascer (dois anos depois) nunca mais pimba
Que foi educada debaixo de grande austeridade
Que falava francês e tocava piano
Que entrava no Café Império de braço dado com duas tias
Que aquilo era um corropio mas ela foi sempre reservada
Que foi reservada até o oficial do exército... pimba!


A dona Marta não faz ideia do quanto um blogue pode expôr a vida das pessoas. A dona Marta desconhece por completo a existência de blogues. A dona Marta não consegue conceber a ideia de que esta com quem fala é autora de um blogue que conta a vida das pessoas, portanto. Caso contrário... já se sabe.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Não se calam

Lisboa - Rua Cidade de Manchester, 13 de Maio de 2011

Está tudo escrito, não há nada de novo. Ninguém escreve novidades, não me venham com tretas.
Eu cá acho.
Mas não está tudo dito, é por isso que as pessoas não se calam.
Está tudo escrito, já alguém escreveu, é por isso que lá de quando em quando não tenho nada para escrever.

sábado, 14 de maio de 2011

Contradições que o tempo traz. O tempo, esse ignóbil mercenário...

Dia igual

Uma vez mais estou em clara dissonância. Tenho o tempo e o PC mas falta-me o assunto para escrever. É mais um dia sem relevância nenhuma, um dia igual.
Sinto uma espécie de urgência em usar o tempo de forma produtiva. Acho que tenho sempre que estar a fazer alguma coisa, usando o meu tempo em algo que considere útil, para mim é urgente fazer algo. E neste caso, estar aqui no meu palco, com tempo para escrever algo que me dê prazer e não usar esse tempo da forma que gostaria, custa-me horrores. A urgência fica maior, até ouço a sirene...
Sou uma falsa calma, porque a aparento mas não a sinto. Nem sei porque é que sou tão contraditória ou para que é que sou tão contraditória. Será toda a gente assim ou eu é que saí com defeito?
Mas agora pensando bem, nem foi um dia assim tão igual. Teve a sua graça.


Ao Sábado:

Há uma divisão na minha casa que eu não uso diariamente - a minha sala. É bonita, simples e alegre mas não tenho tempo para lá repousar todos os dias mesmo que seja por uns minutos. Para isso acontecer teria que deixar de lado alguns passatempos, nomeadamente o meu blog. O tempo que me "sobra" gasto-o aqui.
Porém, aos Sábados - e hoje é Sábado - sento-me no meu sofá azul a bebericar o meu cafezinho e a ver música na TV. Sabe-me tão bem... e este Sábado - hoje - achei que era melhor não pôr música para ouvir o barulho do silêncio. Soube-me ainda melhor estar ali descansando, bebendo o cafezinho e ouvindo o barulho do silêncio. Não há melhor sítio para se estar, a minha casa é o melhor sítio do mundo.

Nota: Escrito em Abril / Maio de 2008

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Questão

O que leva uma empregada de balcão – simples como eu – a aconselhar um cliente – muito galanteador – no sentido de levar o produto de menor quantidade, caso goste de cá vir isso será uma mais-valia?!
A resposta está aqui, ardendo-me na ponta dos dedos, pronta a saltar para o ecrã: eu sou uma mulher com montes de piada e algumas pessoas confirmam isso mesmo, o que me deixa com o ego lá nos píncaros e me leva a repetir as piadolas.

Coincidência(s)

Se em plena avenida dou de caras com um homem e ele se afasta para o mesmo lado que eu uma e outra vez, por modo a evitar chocarmos, é coincidência. Se o homem é bem parecido... é uma grande coincidência.

Aos homens

Esta é a estação de mostrar as mamas, meus caros. Desenganem-se se pensam:
«Quê?! A minha não!»
Ai não? Deixa-me rir...

'Macho que é macho não bebe leite... come a vaca.' Foi o que eu ouvi dizer.

Este meu ar casadoiro e maternal não me larga; questiono as pessoas constantemente; anuncio factos lá de quando em quando.

Somando tudo obtenho um resultado indesejável por tão arrasador: as pessoas fogem.

Ele interessa-se genuinamente, se quer saber alguma coisa acerca de mim, não se dirige à pessoa que está ao meu lado como outros que conheço fazem, segue a lógica ideológica: pergunta-me a mim.
Gosto dele, gosto mesmo. Sumariamente, a amizade é respeito.

A outra

A outra vida não será antes a outra morte? Eu tenho de matar-me a toda a hora para não sentir. Não vivo, portanto. A outra morte é apenas uma mudança de estágio.

Ilusória, a vida

A vida é uma ilusão tão grande que acho que vou ter sempre a mesma sorte. Sorte da boa. Vou achar dinheiro e outros bens no chão, vou safar-me de adoecer, vou receber carinho e atenção infinitamente e os abraços serão sempre cheios de entusiasmo.

Cenas de gaja

Há brincos que usei em dias anteriores espalhados na minha mala, depilo os pés (ver post anterior), acerca de pulseiras: umas andam espalhadas pela loja e outras roço-as no arroz de cenoura da pessoa que está ao meu lado.

Depilação

Eu depilo os pés. Bicho estranho, a mulher, portanto. Falo por mim, claro. Resolvi chocar alguém com este facto e escolhi um alvo fácil, o meu rico e jovem filho de 16 anos.
– André, a mãe depilou os dedos dos pés.
– Depilaste os dedos dos pés?! - Exclama ele aflitíssimo, prestes a pedir socorro ao pai, que sempre está mais habituado a estas coisas.
– Ah! Ah! Ah!

Ternura

Vi uma das edições do Eurofestival em condições anormais: em casa de uma cliente enquanto o meu colega montava duas misturadoras de casa-de-banho. Depois dos portugueses apresentarem a sua conção vimos bocadinhos de filmes e séries e ainda um programa desses da vida real que dá na RTP 1 e ao qual achei a graça do costume: nenhuma.
Ainda na casa da cliente falei ao telefone com a sua sobrinha, que conheço (quase) de ginjeira e que se encontrava numa cama de hospital devido a uma cirurgia sem gravidade. Desejei-lhe as melhoras e essas coisas bonitas que a gente diz em situações destas.
Uns dias depois a sobrinha ligou-me com o propósito de agradecer muito a atenção para com ela e o cuidado em servir rapidamente a sua tia e ainda me deixou um beijinho especial.
Pode dizer-se que sou uma mulher de sorte por lidar com gente benévola, porque tenho (talvez...) mais oportunidades de viver episódios cheios de emoção devido ao contacto directo que tenho com os mais variados tipos de pessoas - eu estava numa casa que não é minha nem de nenhum familiar meu e falei com alguém que conheço apenas porque lhe vendo umas coisas uma vez por outra, mas falei-lhe como se fosse minha amiga - pode dizer-se que a minha vida é estranha, invulgar, esquisita. Estareis cobertos de razão se assim pensardes. Eu, porém, apenas retiro o seguinte: há pessoas verdadeiramente ternurentas, e eu só posso ficar grata por poder desfrutar da sua existência.

Hoje e sexta-feira 13...

... E não se ouviu referência nenhuma em relação à crença de que é um dia de azar. Será porque é também um dia religioso? Às vezes as pessoas misturam tudo, outras têm uns medos estranhos...

Coisas que (de certezinha) ninguém sabe

Hoje é sexta-feira / 13

Houve um cismo em Múrcia

Está um calor que não se pode

A fotografia

Lisboa, 13 de Maio de 2011

A fotografia é feia; não quero falar da imagem ou do momento; nada disso me serve para nada.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O meu pai

Tenho reparado que fiz menção ao Dia da Mãe em alguns anos mas nunca o Dia do Pai no próprio dia. Este ano repeti a fotografia da minha mãe e de mim bebé, inclusive.
Já escrevi mais vezes acerca da minha mãe do que do meu pai, muito embora não esteja certa disso. Almejo ser no futuro como o meu pai é hoje, ele é mais modelo para mim do que a minha mãe, o que torna esta discrepância algo estranha. Almejo o impossível, talvez, estou cada vez mais parecida com a minha mãe...

Sáb./Dom.

Bem... Olha, eu vou à procura do Domingo.

O meu pai é assim, anuncia que se vai deitar desta maneira. Se não fosse de Sábado para Domingo era outro dia qualquer. Mas o tom com que fala é sempre o mesmo: irónico e bem-disposto. O meu pai ainda sabe divertir-se com a vida, os anos não lhe pesam por aí além.

Limbo

Agora ficava aqui.
Até quando nem sei.
Depois alguém me levaria ao colo para outro destino do meu agrado.
Podia ser a baixa pombalina ou o jardim do Campo Grande.
Quando já não desse mais,
ou quando já tivesse visto tudo
(neste post não posso falar em tédio senão perco a poesia toda...),
viria o vento e sopraria
- suavemente, que eu sou uma pena de galinha -
empurrando-me até outro destino...
– a ver na altura,
que a imaginação já se me acabou.

?!

Montras giras?!
Arranja-se!
Misture pasta de dentes com renovador para móveis; cadeados de segredo com grelhas de redução e sal para máquina com gel de banho.
Verá que obtém o que procura! E de braço dado com a originalidade! Será um chamariz...
Bons frutos, é o que eu desejo.

Segunda-feira

Lisboa, 9 de Maio de 2011

A segunda-feira é particularmente interessante em tempo primaveril. Dou de caras com novas flores e plantas várias. Esta nasceu hoje – ou ontem, ou anteontem -, junto ao caixote do lixo que está emborcado e sem servir há um porradão de tempo.
Quando fotografava entrou-me um bicho no olho. Aguentei estoicamente a impressão que um insecto pode provocar esperneando e morrendo dentro de um olho dos meus, queria mesmo fotografar a florzinha frágil. Depois fui a correr ter com o meu colega para me tirar o bicho...
A segunda-feira tem outra particularidade: o café sabe-me especialmente bem. O jejum tem destas coisas...

Eu tenho um colega

Afinal eu tenho um colega de trabalho, pois é. Já tenho falado dele aqui mas nem sempre o chamo de colega. Lá de quando em quando ele diz coisas giras, e eu escrevo-as ou então não, de maneiras que resolvi levantar o véu e falar abertamente da nossa relação: eu tenho um colega de trabalho, partilhamos tarefas e damo-nos bem quanto baste.
Eis o que tenho a contar hoje:

Percorríamos a Rua José Ricardo (Lisboa) e ele estacou junto a um dos prédios com número ímpar. Trrim! Do lado de lá responde uma senhora:
– Faz favor de dizer quem é?
A voz era gasta e trémula, mas autoritária, e o 'é' foi tão enfatizado que pareceu cantado. Tapei imediatamente a boca com as mãos, o desembaraço da mulher e toda aquela mistura de coisas deu-me uma vontade de rir imensa.
– É o colega da Gina, para montar...

(Já nem lembro o quê....
E já agora aproveito este parentesis para pedir aos leitores que não levem a mal o protagonismo – ou a tendência, desta feita nada mascarada, para ser e aparecer mais do que os outros - mas acho deveras engraçado chamar o meu colega de 'colega da Gina'.)

Clique, soou o trinco. E ele diz-me, fazendo-se de zangado com o meu desplante:
– Faz favor de não gozares com os meus clientes.
Ao que eu respondo muito depressa:
– Até parece que os teus clientes não são meus também!

A cara

O melhor é agarrar na cara de desânimo, pôr dentro de um saco, atá-lo bem e esvaziar o ar para a cara desanimada morrer sufocada. Isso, ou usar de sadismo saltando a última operação e deitar o saco no lixo, que o ar existente depressa se extinguirá e a cara morre na mesma.

terça-feira, 10 de maio de 2011

14

São 14 meses. Como o ano do trabalhador. 14 meses, 365+31+30=466 dias. Acho que ri e chorei em todos eles.

Almoço


Às vezes, quando estou aqui, dá-me um baque: 'Fechei a porta?! Será que não a deixei escancarada, tanta pressa tenho sempre de bazar...'

Este meu estado ansioso lembra-me a minha mãe com a paranóia do ferro de engomar ligado e as luzes acesas.

Coisas da actualidade

O meu colega arranjou uma maneira de brincar com o femi e a troika: diz que não tem troikos.

domingo, 8 de maio de 2011

...



A ignorância e o vento são do maior atrevimento. (1)

«Mas sentes-te realizada, Lucy?», insiste. «Satisfaz-te?»
Uma das características mais encantadoras da minha mãe é a curiosidade infinita em querer saber o que motiva as pessoas, sobretudo quando fazem escolhas diferentes das dela. O interrogatório persistente pode parecer extremamente crítico, especialmente sendo ela uma mulher de fortes convicções, mas há uma certa inocência infantil na atitude dela, uma insaciável vontade de compreender o ponto de vista do outro.
(2)

'A vida secreta de uma mãe desleixada', Fiona Neill

(1) Página 182
(2) Página 192

Isto é uma família no futebol

Saltos altos



Como é que consegues andar em cima desses saltos?!

Sou uma mulher equilibrada.

sábado, 7 de maio de 2011

Localizar



O senhor Blogspot agora tem um mapa para se localizar as fotografias. Acho eu que é para localizar as fotografias....
Eu bem tentei localizar o sítio onde tirei as fotos que estão no post anterior mas aparece uma Azinhaga do Poço em Coimbra e outra - se eu especificar Loures - relaciona com uma em Mafra. Posto isto, nada feito.
De maneira que deixo aqui mais duas fotografias, desta feita mostrando caravelas saloias, num sítio que diz chamar-se...

Fonte do Ouro.

Aproximação





Azinhaga do Poço, 7 de Maio de 2011

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Contágio

A dona Marília diz que gosta de vir aqui porque sai sempre mais bem-disposta, que a minha carinha laroca dá-lhe alento à vida e a minha gargalhada a contagia e enche de alegria.
Não aprofundo a ideia (verdadeira) de que a dona Marília vê e ouve mal. Agora não dá jeito.

Sons

Durante o dia fui música. Os brincos tilintavam as pulseiras tiniam. Uma sinfonia, eu.

14:31

Diz que logo à tarde vai chover.


Lisboa - Praça de Londres, 6 de Maio de 2011

Dias de um ginásio

Gosto tanto de ginásio e vou lá há tantos anos que dou por mim ouvindo a respiração ofegante das pessoas e a concluir que estão muito em baixo de forma.
Ou então não, eu reparo em muitas coisas. Reparo e escrevo-as.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A desabar

Lisboa, 5 de Maio de 2011

Nota prévia:
A fotografia não tem nada a ver com o texto. Excepto, quiçá, o facto de eu ter montado o cenário e captado a imagem com o fim em vista de ilustrar o texto.

Há caliça e bocados de tecto em cima das molas de roupa e do papel higiénico. Mais à frente, em cima dos tabuleiros de pintura, há lascas de viga ferrugentas pelo tempo. O dia em que morrerei soterrada está próximo. Tomara já, esta iminência dá-me conta da cabeça.

Cliente-resumo

Bom-dia. Quero um par de luvas. Quero um frasco de soda cáustica.

Quero um saco de terra.


(Ainda eu digo que falo poucochinho.)

Caminhando

Vim a pé, andando, nunca tinha passado nesta rua...

Não sabe o que tem perdido, caríssima transeunte. Isto aqui é super.hiper.mega.divertido porque conta comigo para animar a malta, despertar as pessoas, fazê-las sentir o bom que a vida tem. Sou perita nisso. Dar-me-á razão se voltar a este local uma vez e outra, uma vez e outra. Venha cá, não fuja.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A beleza

Lisboa - Rua Rosa Damasceno, 4 de Maio de 2011

Se há beleza num coador de rede colocado num par de mãos elevadas ao céu, eu sou pessoa para vê-la e apreciá-la. Se há amor nesse gesto, eu sou pessoa para senti-lo. As coisas são o que eu quiser.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Umas e outras vezes

Às vezes, quando escrevo, é como se desbravasse terreno fértil e denso à catanada mas não desse vazão ao crescimento veloz da vegetação, as hipóteses apresentam-se-me, uma ideia leva a outra e todas se pertencem, num emaranhado impossível de escrever.
Depois há as outras vezes, claro. Aquelas em que as mãos me acompanham o pensamento, ou este blogue não existiria.

A linha

Quando as pessoas conhecem o meu problema tendem a ser mais condescendentes, afáveis, atenciosas.
Tal enaltece-me tanto quanto me apavora.
A primeira porque me derreto toda com mimalhices.
A segunda porque existe uma linha muito fina separando o interesse genuíno da hipocrisia contida. Quase se tocam...

A fotografia

Lisboa - Praça de Londres, 3 de Maio de 2011

Toda eu era brandura e encanto...

Olhe, o senhor não se importa que eu tire uma fotografia apanhando os chapéus de sol e a torre lá ao fundo? É que eu acho que ficará mesmo bem.

Todo ele era simpatia e sorrisos assaz verdadeiros...

Tire, menina, esteja à vontade.


É tudo mentira, não tive coragem de pedir ao senhor das castanhas que regressou à Praça de Londres (Lisboa), agora com gelados da Olá. Resisti ao primeiro impulso e a coragem abandonou-me.
Acabei por clicar direito à torre no outro lado da praça, sentada confortavelmente num banco de pedra(?), fingindo-me ausente e capaz de retratar a vida.

A parte boa

Recebi um exame clínico. Há uma parte de mim que se encontra: sem lesões; satisfatória; dentro dos parâmetros da normalidade.
É o resto, o resto é que não presta.

O tempo

A minha vida sempre esteve dividida em duas partes: pré-matrimónio/maternidade e pós-matrimónio/maternidade.
Ao momento as partes têm outros nomes: antes e depois da bronca. É um marco histórico como outro qualquer. Agora as coisas têm um formato diferente: não penso assim porque desencadeio a coisa, não vou ali porque depois já sei como é, não digo certas coisas pelo mesmo motivo. Não faço. Nem escrevo.
Ou escrevo, como agora. Almejo o pós-depois-da-bronca mas creio que nunca o verei chegado, à frente deste tempo não está nada à minha espera, mas alimento-me de alguma esperança ou não terei salvação. Então, iludo-me e almejo o inatingível: o pós-depois-da-bronca. E há aquelas vezes em que não resisto a contar bocadinhos da minha vida porque depois de a contar o jugo que carrego fica mais leve.

Então e gostas disto aqui?

Tenho dias... E não finjo lá muito bem.

A bebida

Noutro dia fui a um bar. Depois da primeira rodada ingerida alguém pediu a segunda. Falei com o empregado de mesa a ver se ainda dava para anular porque não me apetecia beber mais. Era muito jovem, o 'medo' que tinha do público notava-se bem. Respondeu-me timidamente que já havia efectivado o pedido e numa espécie de gracejo convidou-me a acompanhá-lo até ao bar para confirmar. E você quer que eu vá consigo, perguntei. Não, você não quer que eu vá consigo, continuei eu.
Descalabro total... O pobre moço ficou sem pinga de sangue e de seguida já nem me lembro o que aconteceu. Só sei que exagerei, aproveitei-me da falta de à-vontade que ele demonstrava e da sua inexperiência, senti um enorme prazer em provocá-lo, aquele sadismo que só sente quem gosta de espezinhar os indefesos. Não era preciso nada daquilo, devo ter sido mais intensa no modo de falar do que queria porque o alcool é um desinibidor do caraças...
Admito que é fantástico fazer/dizer coisas ruins. Isto acontece porque é mais fácil atraír a atenção das pessoas pela negativa creio. Não creio, no entanto, que sonhem comigo, mas eu queria. Eu queria ter sido tão má, tão ruim, que o rapaz sonhasse comigo nessa mesma noite, tivesse pesadelos e acordasse aos berros e alagado em suor. E depois voltasse a adormecer e pumba!, eu outra vez nos seus sonhos, desta vez mais atinadinha mas nada arrependida, que isso é coisa de gente fraca e eu nos sonhos das pessoas não sou nada disso.

Hã?!

Eu vendia uma lima para os pés a um homem (aparentemente) surdo. Creio que soavam buzinas e arranques de carro lá fora, piu-pius de passarinhos e restolhar de folhas verdejantes, porque é assim que costuma acontecer, e tenho a certeza que ao menos os primeiros dois barulhos eram ouvidos pelo homem, sem que no entanto os quisesse distinguir ou apreciar.
Ora bem, eu não cheguei aqui ontem, e uma das coisas que já aprendi foi a apanhar os falsos surdos. Há o surdo mesmo surdo e há o viciado no 'hã?!'. Para serem flagrados basta não repetir as frases, fazer de conta que não ouvimos, ou seja, fazermo-nos de surdos. Tipo isto assim:

A pele tem de estar mole?

Sim, com a pele molinha é mais fácil retirar as calosidades.

Hã?!


Com a pele molinha, não é?

É, mas esfregue com vigor...

Hã?!


Esfrego com vigor, não é?

É.

Hã?!


Pois é. Então e esta marca é boa?

Muito boa.

Hã?!


É boa, não é?


E por aí adiante e blás. Aquela parte em que referi 'vigor' foi dita numa espécie de vingança subtil, apimentei o momento com uma pitada tão ínfima que pelo nariz do homem passou apenas uma ligeia brisa, não chegando a provocar cógegas. A próxima vez a ver se esgoto o frasco para ele não parar de espirrar e de se coçar, já que o conheço de gingeira, é um velho pindérico com ares de janota, arrogante a avarento na quinta casa.