sexta-feira, 27 de maio de 2011

Atrium Saldanha

Sete e meia da tarde, eu estava no Atrium Saldanha ouvindo tocar piano ao vivo. Marimbei para o decoro e sentei-me ao lado de um senhor de fato e gravata, havendo, contudo, largueza entre nós, que eu cá não sou de encostos. Para me sentar dei meia volta e a minha saia rodada girou de tal forma que assentou muito próximo do dito senhor, eu e a minha saia ocupávamos o espaço a dobrar. O homem entesou-se todo, não se sentiu nada à-vontade com a roda da minha saia. Num gesto rápido mas cheio de um saber muito feminino cheguei a saia para ao pé de mim, não gosto de trazer problemas a pessoas sensíveis a feminilidades, os pobres sofrem imenso com este tipo de complicações nas suas vidas.
Esqueci o homem. Pousei o olhar no pianista e apurei o ouvido para desfrutar o momento. Não é a primeira vez que estou ali àquela hora ouvindo a música mas nunca tinha reparado que o pianista é cego, reparei que não havia pauta e que o olhar dele, ainda que sem vida, estava carregado de emoção. É a música...
Fiquei ali a escrever umas coisas. Minutos depois a minha atenção desvia-se da música e da escrita. Chega uma mulher com uma indumentária ridícula tendo em conta a idade avançada. O penteado eram dois totós e a roupa às riscas conferia-lhe um ar infantil, parecia que tinha acabado de dar um espectáculo circense e, sem ter tempo para se preparar, tinha vindo directa para ali.
A música parou abruptamente. A mulher dos totós bateu palmas timidamente, ponderei se havia de lhe fazer companhia mas não cheguei a mover-me e tal como eu mais ninguém se dipôs a isso. O pianista pareceu estranhar os aplausos e rodou a cabeça em direcção ao som, vi-lhe um olhar agradecido e, apesar de eu saber da cegueira, parecia mesmo que estava a olhar para a mulher dos totós, essa visão colorida.
Depois, surpresa das surpresas, ele levantou-se e com a ajuda de uma outra senhora que apareceu não sei donde veio ter comigo. Quero dizer, comigo não, com a dos totós. Sorriram-se muito, deram-se beijinhos e ela queixou-se de ela estar suado...
– Ai 'tá todo suado! Vá lá fora refrescar-se, vá. Até já.
Bazei. Acabara a comédia.

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