Eu vendia uma lima para os pés a um homem (aparentemente) surdo. Creio que soavam buzinas e arranques de carro lá fora, piu-pius de passarinhos e restolhar de folhas verdejantes, porque é assim que costuma acontecer, e tenho a certeza que ao menos os primeiros dois barulhos eram ouvidos pelo homem, sem que no entanto os quisesse distinguir ou apreciar.
Ora bem, eu não cheguei aqui ontem, e uma das coisas que já aprendi foi a apanhar os falsos surdos. Há o surdo mesmo surdo e há o viciado no 'hã?!'. Para serem flagrados basta não repetir as frases, fazer de conta que não ouvimos, ou seja, fazermo-nos de surdos. Tipo isto assim:
A pele tem de estar mole?
Sim, com a pele molinha é mais fácil retirar as calosidades.
Hã?!
…
Com a pele molinha, não é?
É, mas esfregue com vigor...
Hã?!
…
Esfrego com vigor, não é?
É.
Hã?!
…
Pois é. Então e esta marca é boa?
Muito boa.
Hã?!
…
É boa, não é?
E por aí adiante e blás. Aquela parte em que referi 'vigor' foi dita numa espécie de vingança subtil, apimentei o momento com uma pitada tão ínfima que pelo nariz do homem passou apenas uma ligeia brisa, não chegando a provocar cógegas. A próxima vez a ver se esgoto o frasco para ele não parar de espirrar e de se coçar, já que o conheço de gingeira, é um velho pindérico com ares de janota, arrogante a avarento na quinta casa.
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