Não há alentejano que se preze que não tenha pelo menos uma Ti Bia. Eu então sou cá uma sortuda, em criança tinha duas, duas Ti Bias!
Começo p'la primeira, a mais presente.
A minha Ti Bia é irmã da minha mãe, a mais velha de sete irmãos. Quando eu era criança, era na casa dela que ficávamos aquando das visitas mais ou menos anuais à terra - Albernôa. Quando íamos à terra, eu adorava, mas a comida... bah! Desagradava-me mesmo! Esse desagrado era, inclusive, manifestado à boa maneira infantil - um dia disse à minha tia que ali no Alentejo, os alentejanos não podiam fazer ovos estrelados com batatas fritas. Para mim, tal era impossível! Eu achava que a minha tia não teria como cortar e fritar as batatas da mesma maneira que a minha mãe fazia. E os ovos? Como é que ela os punha fritar? Não, nem pensar! A minha Ti Bia não dispunha dos meios necessários para fazer aquele manjar. Ah pois não! Pois bem... no dia seguinte foi esse o meu almoço. A Ti Bia quis mostrar-me que ali também se podia comer da mesma maneira que se comia lá em Lisboa...
Cala-te aí! Ai a menina fazendo mangação da outra gente! Tal 'tá a porra, hein!?
E pronto! Nunca mais duvidei da audácia dos alentejanos, no Alentejo, para fazer ovos estrelados e batatas fritas...
A minha outra Ti Bia, era tia da minha mãe (a minha mãe também tinha uma Ti Bia!) e irmã da minha avó materna. Era a Ti Bia do forno, era assim que eu lhe chamava para diferenciá-la da outra Ti Bia, e era a Ti Bia do forno porque tinha um forno muito grande onde cozia pão para posteriormente vender, a sua profissão era padeira. A minha mãe, em jovem, chegou a trabalhar no forno da Ti Bia.
Lembro-me vagamente dessa tia, lembro-me de um vulto preto, de lenço atado ao pescoço, muito velhinha, quieta e sossegada, sentada num banquinho tipicamente alentejano. Não me lembro de nenhuma palavra que me tenha dirigido, isso poderá dever-se ao facto de eu ser muito jovem quando ela morreu, ou então porque a Ti Bia do forno era mesmo de poucas falas. No entanto, tenho na memória qualquer coisa muito vaga e que tem a ver com atenção dirigida a mim, só não me lembro o quê, se calhar é apenas o cordial e habitual cumprimento alentejano.
Pois bem, essa minha tia tinha uma filha, a Chica, que para mim e para a minha mãe, era a prima Chica. Tendo o negócio da minha tia prosperado, julgo eu, essa minha prima tomou-lhe as rédeas e, para além da padaria possuía uma mercearia que não tenho como certo ser já dos tempos da Ti Bia.
Recordo que era uma mercearia à moda antiga, com armários de alto a baixo pintados na cor bege e envidraçados, um balcão largo e espaçoso em madeira virgem no qual pousava uma balança, muitas sacas de cereais no chão para se aviar os fregueses pesando com um recipiente quadrado feito em madeira e havia sempre no ar um cheiro misturado de farinha e açúcar.
Por trás do balcão, existia uma porta da qual descia uma escadaria e que dava acesso ao sítio onde se fazia o pão e... as popias! Aí o cheiro a farinha era muito mais intenso.
Nos tempos mais modernos, possivelmente já depois da morte desta Ti Bia, apareceu lá em baixo um estranho objecto, era uma tina eléctrica enorme que tinha uma pá para amassar o pão e as popias. Fiquei completamente apaixonada por aquilo, imaginei logo pôr-me lá dentro e brincar ali. Como tal não podia acontecer pois estava sob a vigilância dos adultos, entre os quais a minha mãe, o mais que eu podia fazer era rodar aquela tigela gigante e fantasiar que estava lá dentro, mas não sem ouvir ralhetes da minha progenitora: 'Gina Maria, está quieta!', o que traduzido para o modo alentejano é assim: 'Pranta-te queda! Ora o raio da rapariga!'
Quando se é criança é tão difícil ficar quieta...
Começo p'la primeira, a mais presente.
A minha Ti Bia é irmã da minha mãe, a mais velha de sete irmãos. Quando eu era criança, era na casa dela que ficávamos aquando das visitas mais ou menos anuais à terra - Albernôa. Quando íamos à terra, eu adorava, mas a comida... bah! Desagradava-me mesmo! Esse desagrado era, inclusive, manifestado à boa maneira infantil - um dia disse à minha tia que ali no Alentejo, os alentejanos não podiam fazer ovos estrelados com batatas fritas. Para mim, tal era impossível! Eu achava que a minha tia não teria como cortar e fritar as batatas da mesma maneira que a minha mãe fazia. E os ovos? Como é que ela os punha fritar? Não, nem pensar! A minha Ti Bia não dispunha dos meios necessários para fazer aquele manjar. Ah pois não! Pois bem... no dia seguinte foi esse o meu almoço. A Ti Bia quis mostrar-me que ali também se podia comer da mesma maneira que se comia lá em Lisboa...
Cala-te aí! Ai a menina fazendo mangação da outra gente! Tal 'tá a porra, hein!?
E pronto! Nunca mais duvidei da audácia dos alentejanos, no Alentejo, para fazer ovos estrelados e batatas fritas...
A minha outra Ti Bia, era tia da minha mãe (a minha mãe também tinha uma Ti Bia!) e irmã da minha avó materna. Era a Ti Bia do forno, era assim que eu lhe chamava para diferenciá-la da outra Ti Bia, e era a Ti Bia do forno porque tinha um forno muito grande onde cozia pão para posteriormente vender, a sua profissão era padeira. A minha mãe, em jovem, chegou a trabalhar no forno da Ti Bia.
Lembro-me vagamente dessa tia, lembro-me de um vulto preto, de lenço atado ao pescoço, muito velhinha, quieta e sossegada, sentada num banquinho tipicamente alentejano. Não me lembro de nenhuma palavra que me tenha dirigido, isso poderá dever-se ao facto de eu ser muito jovem quando ela morreu, ou então porque a Ti Bia do forno era mesmo de poucas falas. No entanto, tenho na memória qualquer coisa muito vaga e que tem a ver com atenção dirigida a mim, só não me lembro o quê, se calhar é apenas o cordial e habitual cumprimento alentejano.
Pois bem, essa minha tia tinha uma filha, a Chica, que para mim e para a minha mãe, era a prima Chica. Tendo o negócio da minha tia prosperado, julgo eu, essa minha prima tomou-lhe as rédeas e, para além da padaria possuía uma mercearia que não tenho como certo ser já dos tempos da Ti Bia.
Recordo que era uma mercearia à moda antiga, com armários de alto a baixo pintados na cor bege e envidraçados, um balcão largo e espaçoso em madeira virgem no qual pousava uma balança, muitas sacas de cereais no chão para se aviar os fregueses pesando com um recipiente quadrado feito em madeira e havia sempre no ar um cheiro misturado de farinha e açúcar.
Por trás do balcão, existia uma porta da qual descia uma escadaria e que dava acesso ao sítio onde se fazia o pão e... as popias! Aí o cheiro a farinha era muito mais intenso.
Nos tempos mais modernos, possivelmente já depois da morte desta Ti Bia, apareceu lá em baixo um estranho objecto, era uma tina eléctrica enorme que tinha uma pá para amassar o pão e as popias. Fiquei completamente apaixonada por aquilo, imaginei logo pôr-me lá dentro e brincar ali. Como tal não podia acontecer pois estava sob a vigilância dos adultos, entre os quais a minha mãe, o mais que eu podia fazer era rodar aquela tigela gigante e fantasiar que estava lá dentro, mas não sem ouvir ralhetes da minha progenitora: 'Gina Maria, está quieta!', o que traduzido para o modo alentejano é assim: 'Pranta-te queda! Ora o raio da rapariga!'
Quando se é criança é tão difícil ficar quieta...
2 comentários:
Um dos meus avôs é alentejano e cheguei a conhecer uma tia Bia :)
Pois... todos os alentejanos têm pelo menos uma. :)
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