sábado, 19 de dezembro de 2009

Sentados


Impaciente. Também sou impaciente para com as pessoas em geral. Gostava de poder dizer com veracidade que tenho sempre muito gosto e muito prazer em ouvir o que têm a dizer mas não o faço, não sou hipócrita. Portanto, não tenho - sempre - a paciência necessária para as ouvir. Chego a maldizer-me, estou consciente que são as pessoas que fazem as minhas histórias. No entanto, há dias e dias. E dias há em que rejubilo por me relacionar pontualmente com algumas pessoas.
Eu estava sentada num banco de uma rua movimentada de Lisboa. Em frente a mim, a porta do número 5 abriu-se e saiu um senhor idoso. Apoiava-se na bengala com vontade mas cambaleava devido ao peso dos anos. Sentou-se ao meu lado e como quem pede licença exclamou qualquer coisa como isto:
- Ah! Deixa-me lá sentar para esquecer as mágoas!
Ainda pensei em não me manifestar, fingir que não tinha ouvido, mas o interesse foi grande logo à partida e resolvi aproveitar a deixa. Virei-me para ele e vi no olhar azul alguma vivacidade. Agarrei-me à deixa e perguntei num repente:
- O senhor acha que conseguimos esquecer as mágoas?
Este episódio já tem meses de acontecido. Tem andado na minha memória, de vez em quando penso nele mas infelizmente o tempo já passado apagou alguns pormenores e agora apenas retenho na memória o grosso deste acontecimento.
O azul dos olhos brilhou mais intensamente. Percebi rapidamente que era um homem muito comunicativo e eu estava receptiva à comunicação. Interessei-me genuinamente pela pessoa que ele aparentava ser e pelo que dizia.
Começou por dizer, respondendo à minha questão, que esquecemos as mágoas por momentos, que devemos descansar delas e que só assim conseguimos suportar as contrariedades da vida. Sabia do que falava, foi psicólogo do exército no tempo da guerra colonial e contou-me vários episódios da sua vida profissional. Alguns desses episódios eram sigilosos e ele relatava-os sussurrando. E eu, se quis ouvir, e queria, tive que me abeirar dele e chegar o ouvido o mais possível.
Estivemos uns bons quinze minutos à conversa, o que para mim é um verdadeiro record porque não sou conversadora nem muito concentrada em conversas por aí além. Eu, conversadora e atenta à conversa... é obra! Por isso e pelo que escrevi no início deste post, talvez, este episódio tenha sido tão especial.

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