quinta-feira, 25 de março de 2010

Dê-prê


Eu ia cuscar os brincos e os colares e tudo o resto que havia na loja. A funcionária era faladora. E falou, no seu sotaque brasileiro:
- Ai, tou cheia de tonturas. Tou com uma depressão e a médica já me falou que os comprimidos podem dar nisso...
Faltava-me fulgor, não me apetecia fazer mais nada senão ficar ali e, bem vistas as coisas, nem era preciso fazer coisa nenhuma. Fiz-me a vontade: fiquei queda e pousei o olhar nela.
Que tinha ataques de pânico. Que tinha vómitos ao mexer em certas substâncias. Que queria matar-se. Que fugia do trabalho. Que tinha medo das pessoas. Que não tinha vontade de fazer nada. Que tinha dores pelo corpo todo. Que tinha muito frio.
Que. Que. Que. Que.
Revi-me em toda aquela catrefada de queixas. Não disse nada, não ia haver espaço para as minhas lamúrias.


Sem comentários: