sexta-feira, 12 de março de 2010
Uma fotografia por dia que bem iria... (15)
Vai buscar os binóculos ao fundo do quarto e volta para a janela. Foca-os em Black e observa o rosto do homem durante vários minutos, primeiro um traço e depois outro, os olhos, os lábios, o nariz, e assim por diante, desmantelando-lhe a cara e agrupando-a novamente. Fica comovido com a profunda tristeza de Black, pelo modo como os olhos que olham para si parecem desprovidos de esperança, e involuntariamente, apanhado de surpresa por aquela imagem, sente-se tomado de compaixão, um onda de piedade por aquela figura abandonada do outro lado da rua. Gostaria que as coisas não fossem assim, porém, gostaria de ter a coragem de carregar na arma, apontá-la a Black e dar-lhe um tiro na cabeça. Nunca saberia o que o atingira, pensa, estaria no Céu antes de cair por terra. Mas assim que visualiza esta pequena cena, começa a afastar tal pensamento. Não, pensa, não deseja nada disso. Mas se não é isso, então... é o quê? Ainda lutando contra aquela onda de sentimentos ternos, dizendo a si mesmo que só deseja que o deixem sozinho, que deseja apenas paz e sossego, apercebe-se gradualmente de que de facto já está ali há vários minutos a pensar se não haveria algum modo de ajudar Black, se não lhe seria possível estender-lhe a mão num gesto de amizade. Isso certamente alteraria tudo, pensa, isso inverteria por certo as coisas. E porque não? Porque não o inesperado? Bater a porta, apagar toda aquela história - tão absurdo como qualquer outra coisa. O facto é que Blue se sente esvaziado de qualquer espírito de luta. Já não tem estômago para isso. E, aparentemente Black também não. Coitado, diz Blue. É a criatura mais triste do mundo. Mas no instante em que diz estas palavras, compreende que também está a falar de si mesmo.
In 'A trilogia de Nova Iorque' de Paul Auster
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1 comentário:
Quando utilizamos as palavras de outros para exprimir-mos o que estamos a sentir...
DÁ UM MURRO NA MESA E DIZ F...!
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