De repente fiquei sozinha numa sala com cães de louça e molduras que exibiam caras de outrora. O entardecer, fugaz como sempre, já dava lugar a uma penumbra densa, o que me impressionou um pouco e então saí dali. Sem conhecer a casa meti-me no mais parecido que encontrei a um corredor. Ela estaria algures na cozinha, pensei.
E era um corredor que pouco depois descrevia uma curva à esquerda e logo a seguir à direita. Continuei andando e encontrei outra sala. Espreitei, curiosa. Ali a claridade trespassava uma porta que dava para as traseiras, ainda se via bem. Quedei, admirada com tanto prato, tanto bibelô em exposição. Havia também jarras com flores de plástico e quadros imitando outros quadros, ela não possuía nada de muito valioso.
Voltei a explorar o corredor e dou de caras com a cozinha também sem luz acesa apesar de ela se encontrar lá estendendo umas poucas peças de roupa. Viu-me e começou com a tagarelice própria das pessoas idosas, o que não me desagrada por aí além.
Voltei à sala dos bibelôs, ela queria mostrar-me a casa, fazendo jus à afabilidade muito própria que têm as anfitriãs da sua geração. Tocou no interruptor e fez-se luz. A luminosidade clara mostrou-me uma realidade crua e pesada, vi solidão entranhada em cada um daqueles objectos, encerrada entre quatro paredes.
Senti-me oprimida, como se não conseguisse encher o peito de ar, ali não se vivia, faltava uma essência qualquer que não sei definir, uma espécie de alma talvez. A sala estava tão arrumada, tão limpa, tão luzidia, que se notava em pleno o desuso. O aspecto geral era tão previsível que denunciava o intenso 'estar só' em que vive a sua habitante.
Na hora fiquei radiante por possuir uma sala desarrumada na maior parte dos dias. É sinal que há pessoas, que nos mexemos, que não estamos sozinhos. Há uma essência qualquer na minha sala que também não sei definir. E há-de ser, tenho a certeza, a essência que falta em toda a casa da dona Maria do Céu.
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