A rica filha passou um dia desta semana comigo. Diz que já não se lembrava como era estar na loja, que é muito divertido aquilo ali e que lhe dá vontade de falar sozinha porque há coisas giras.
Vai ver a avó mas antes telefona, e enquanto digita o número refere que o sabe de cor desde os quatro anos (já morámos naquela casa, a bem dizer a rica filha nasceu lá).
– Se eu me perdesse saberiam a quem me entregar. Não era uma criança adorável, mãe? - Pergunta ela, brincalhona.
– Eras, claro.
Umas horas depois entra um senhor querendo comprar «ratoeiras para ratos, que aqueles filhos da puta andam por lá a comer, os cabrões». Depois foi ainda um pouquito exaustivo perguntando o preço uma data de vezes, a seguir a cada preço que eu dizia voltava à mesma ladainha: «aqueles filhos da puta andam por lá a comer, os cabrões».
Quando ele sai digo à rica filha:
- Estás a ver porque é que eu tenho sempre coisas para escrever?
- Sim, mãe, estou a ver porque é que tens cento e tal posts por mês...
Quando ele sai digo à rica filha:
- Estás a ver porque é que eu tenho sempre coisas para escrever?
- Sim, mãe, estou a ver porque é que tens cento e tal posts por mês...
Almoçámos e depois foi comigo passear.
- Ah, este prédio está tão bonito, mãe!
- Pois está, ainda há pessoas que fazem coisas giras...
Descansámos num banco de jardim.
- Estás a ver aquela janelinha ali com umas grades?
Ela olha na direção em que aponto o dedo.
- Sim.
- Daqui a pouco vais estar a espreitar de lá e a ver isto aqui.
- Sério?!
- Sério.
Caminhámos para lá, tinha de entregar um recibo num cliente. Entrámos no prédio em questão, atravessámos o hall e subimos um lance de escadas:
- Espreita aí.
Dito e feito!
Na livraria percorremos as bancas em busca de nada. Reparei num livro (de que não recordo o nome) que me pareceu muito semelhante à familiar escrita de blogger. Referi isso mesmo não sem uma ponta de inveja na voz, que hoje só não publica a porcaria dum livro quem não quer. Olhem só o conselho:
- Mãe, fazes assim: escreves duas ou três histórias pequenas e envias para algumas editoras, arriscas-te a ouvires ‘nãos’ mas ficam a conhecer a tua escrita, que o que tu fazes bem são crónicas… Mãe, desculpa, não estou a dizer que não escreves bem outras coisas… Mas é que tu és cronista… E depois convidam-te para escreveres para um jornal!
Sim senhora! Eu aqui há dias a dizer que a rapariga não é dada a fantasias e ela tão ingénua, tão sonhadora, afinal…
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