Não sou violenta mas a vontade de torcer o pipo a alguém por vezes faz-se sentir. Por causa desta intensa vontade de torcer os pipos das pessoas que me enervam, lembrei-me do meu pai. O meu pai torcia o pipo aos pombos, que eu bem me lembro. Mas não que os bichos o enervassem. Acontecia quando eles começavam a ser mais que muitos e a despesa se tornava incomportável ou então porque o pombal estava a ficar demasiado apertado.
Comíamo-los fritos em azeite, cebola, alho, uma folhinha de louro, refrescando com um pouco de vinho e acrecentando depois de tudo bem cozinhado um ovo ou dois. Era bom. A carne era escura e densa mas muito gostosa.
Mas vamos à torcedela de pipo. Eu não suportava ver o meu pai extinguindo a vida dos bichinhos, ver toda a cena afligia-me. Mas conheci bem todo o aparato. Lembro-me de vê-lo de costas, os braços tensos, as mãos torcendo o pescoço, pressionando a veia jugular. Eu já só via os cadáveres em cima do muro, cabeças pendendo, olhos semi-fechados, o corpo inerte. Ali por perto já havia um alguidar. Depois era escaldar, depenar, amanhar. Nestas tarefas já eu ajudava um pouco. Gostava particularmente daquela parte em que o meu pai limpava as vísceras, ver a moela ser cortada e sairem de lá pedaços muito miúdos, mesmo desfeitos, de milho e outros cereais. Depois era a vez de a minha mãe tratar do resto, como já referi acima.
O leitor não pense que me fazia impressão comer pombinhos, imaginando-os queriditos e fofinhos como se fossem bebés amorosos e com essa visão alguma tristeza me assolava a cabecita. Não. Afinal de contas eu ajudava (ou vigiava atentamente) na limpeza e preparação destas aves. Comia e pronto. Protegida pela lei da vida, talvez... A ordem natural das coisas, quiçá... Mas não me vejo a torcer pipos, lá isso não.
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