sexta-feira, 2 de março de 2012

Eu (não)

Sento-me na paragem do autocarro porque não tenho mais nada para fazer. Vou vendo a paisagem, perscrutando as gentes. Chega o autocarro, sem me mover demoro o olhar no seu interior. Pessoas. Todas acabrunhadas, a indisposição pairando nos semblantes destes viajantes, do condutor. A viagem é coisa para dar volta ao estômago de qualquer um. Também estão sérias e paradas, essas pessoas. É numa espécie de vácuo que esperam que a vida se lhes mude de figura. Esse momento chegará e chama-se destino.
A visão comove-me. Ainda não é tempo de me levantar. Está-se bem ali. Faço a figura de quem espera outro número de autocarro. Deixo este ir embora. Finjo. Quando chega o próximo volto a fingir que espero ainda um outro. As pessoas mudam, revezam-se os rostos, ninguém percebe que estou ali há horas. Fico quieta, como se não tivesse vida e vontade. Outro autocarro. Outras pessoas. Outras vidas. Outras histórias. Tudo isto debaixo do desconhecimento geral, como se uma névoa nos cobrisse a todos e não nos víssemos, uns e outros. Permanecerei até serem horas de andar. Mas só vou porque está escuro e tenho medo, não é que queira.

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