Andávamos nos preparativos para a partida do meu pai em trabalho para a Arábia Saudita. Era Abril de '79 e em minha casa reinava um ambiente tenso e triste. Apesar de naquela altura não passar duma criança, apercebia-me desse ambiente, também eu sentia saudades do meu pai, mesmo antes de ele partir. Ia sentir a sua falta à mesa quando chegasse a hora do jantar, não poderia contar com o seu saber para me esclarecer eventuais dúvidas escolares que surgissem, sabia que a minha mãe e o meu irmão iriam andar calados e deprimidos. Na verdade só a ideia da partida era já um vislumbre desse estado d' alma, só esse vislumbre me entristecia por demais, causando-me uma sensação terrível de impotência, não havia nada que pudesse fazer para minimizar o desconforto emocional que todos sentíamos.
O meu desejo mais íntimo era ir com o meu pai naquela viagem, não queria estar longe da voz, da presença, da segurança que ele me transmitia. E sentia uma curiosidade imensa acerca do sítio para onde ele ia trabalhar: Arábia Saudita. Queria tanto ir... Como seriam as pessoas, os lugares, a língua?
No meio de toda aquela azáfama tive uma ideia, uma vez que não podia viajar com o meu pai, enviaria algo que fizesse a mesma viagem.
1. Fui buscar um saquinho de pano que fizera algures durante as férias de Verão com restos de tecidos da minha mãe.
2. Arranjei uma pedrinha branca algures. No quintal, na pequena horta, na estrada poeirenta, no pátio da escola?
Estes dois itens não sei como se ligaram, ou como formei o pensamento. Mas posteriormente atuei e, ao que parece, foi assim:
Não podia ser uma pedra qualquer, tive o cuidado de escolher uma pedra perfeita, redonda de tão polida. Achei que seria giríssimo depois, quando o meu pai voltasse das arábias, eu ter na mão algo que tivesse estado nesse lugar tão longínquo e igual a coisa nenhuma das que conhecia, por isso inimaginável.
Pus a pedrinha dentro do saco e fui ter com o meu pai. Emocionada, pedi-lhe que levasse o saquinho feito à mão com a pedrinha especial, que o guardasse na mala de viagem. Não foram precisas grandes explicações, ele entendeu imediatamente o meu gesto. Sem desdenhar da minha infantilidade compreendeu que eu queria mandar algo que o fizesse lembrar de mim enquanto estivesse fora, algo que fosse e viesse com ele e que estivesse com ele, onde ele ia estar, assim pareceria que efetivamente eu viajara até às arábias. Ainda hoje recordo a sua expressão calma e ponderada quando me respondeu:
- Está bem, filha. O pai leva e traz este saquinho com a pedrinha. Vou pô-lo aqui dentro da mala, vês? Depois quando eu cá chegar mostro-to.
Hoje sei que não era preciso ter mandado um saquinho na mala de viagem para que o meu pai não me esquecesse enquanto estivesse fora, ele iria estar com a família no pensamento ininterruptamente.
Quando regressou, cinco meses depois, mostrou-me o saquinho com a pedrinha lá dentro. Foi com uma expressão fraternal que me perguntou:
- Lembras-te de me teres dado isto? Toma, está aqui. Foi e veio comigo.
Fiquei completamente maravilhada, a sensação não estava nada longe do que idealizara aquando do pedido. Segurei no saquinho e pensei: " Que giro! Isto esteve tão longe!... Foi e veio... E agora está aqui comigo!..."
O meu pai é sensível, ponderado, observador e inteligente. O meu pai é tudo isso num grau elevado. Quando envelhecer quero ser como ele.
Texto enviado para o blogue Fábrica de Histórias
2 comentários:
Que memória tão bonita.
É, sim... ;)
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