sexta-feira, 30 de março de 2012

Histórias

«Estou a contar demasiadas histórias à volta desta porque aquilo que quero é que em volta da narrativa se sinta uma saturação de outras histórias que poderei contar e que talvez contarei ou que talvez tenha já contado noutra ocasião, um espaço cheio de histórias que quem sabe não são outra coisa senão o tempo da minha vida, onde me possa mover em todas as direções como no espaço encontrando sempre histórias que para contar seria preciso primeiro contar outras, de tal modo que partindo de um qualquer momento ou lugar se encontra a mesma densidade de material para contar. Melhor, olhando perspetivadamente tudo aquilo que deixo fora da narrativa principal, vejo como que uma floresta que se estende por todos os lados e não deixa passar a luz tão densa que é, enfim, um material muito mais rico do que aquele que escolhi para colocar em primeiro plano desta vez, de forma que não está excluído que quem segue a minha narrativa se sinta pouco defraudado vendo que a corrente se perde em tantos regatos e que dos fatos essenciais lhe chegam só os últimos ecos e reflexos, mas também não está excluído que precisamente este seja o efeito que me propunha atingir pondo-me a contar, ou digamos um expediente da arte de contar que estou a procurar adotar, uma norma de descrição que consiste em manter-me um pouco abaixo das possibilidades de contar de que disponho.
O que depois se verá é o sinal de uma verdadeira riqueza sólida e profusa, no sentido em que eu, se por hipótese tivesse só uma história para contar, andaria descoordenadamente à volta dessa história e acabaria por queimá-la com a mania de lhe dar o devido valor, enquanto que tendo de parte um depósito praticamente ilimitado de substância narrável estou em posição de manejá-la com distanciação e concedendo-me o luxo de me alongar em episódios secundários e em pormenores insignificantes.»

'Se numa noite de inverno um viajante', Italo Calvino

Página 105

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