segunda-feira, 5 de março de 2012

O farmacêutico

Entrou aqui de rompante, queixando-se do frio. Desabafou e saiu. Estranho, bem sei.
Este farmacêutico é uma figura bastante peculiar, mas eu, que tenho a mania que sei das coisas da vida e assim, acho-o demasiado jovem para tantas peculiaridades, tantas estranhezas.
Conheci-o ainda miúdo, mais tarde estudou para doutor e agora ali está, na farmácia, esse legado parental. Atendendo os velhinhos, outros novos, ou ainda assim-assim, a meia haste, quiçá. Uns doentes, outros à beira disso e outros jovens; convencidos que a saúde lhes está nas mãos.
O pai deste 'miúdo', que morreu há uns anos, foi uma das primeiras figuras que fixei na minha cabeça quando vim para o balcão. Lembro-me da primeira vez que o vi aqui, sentou-se no banquinho logo a seguir à entrada. Vinha combalido, agarrado aos quadris. Contou que tinha caído na banheira e vinha à 'rasca das costas'. Estranhei aquele homem de bata branca, falando duma desgraça, de dores, com boa disposição. Depois soube que era o farmacêutico dali assim. Com o rodar do tempo percebi que era um homem alegre e comunicativo, que transmitia sempre uma boa onda.
Aquele dito (que escrevi aqui): o q' há cá , como se disséssemos cá-cá, foi dele que ouvi. Eu mostrava-lhe já nem sei o quê e ele, vendo que mais não havia, sai-se com essa:

– Pois, é o q' há cá!

Nunca mais esqueci.
Voltando ao filho. Noto nele esgares do pai. Mas é tão estranho, o bicho... Muito embora esteja também sempre bem-disposto.
Noutro dia fui lá comprar bênurons. A empregada da limpeza cirandava por ali, tratando dos seus afazeres. Pedi os bênurons e chegada a hora da transação monetária o dito jovem volta-se para a empregada:
– Agora a Cristina é que vai receber. - Diz ele, categórico. E incentiva: - Vá!
Olhei para ele e vi que aparentava uma serenidade infantil, ou algo assim. Olhei para ela e vi que se espantou, assim como a gente se espanta com as coisas que já conhece. Recusou, rindo nervosamente.
Entrei no jogo, o momento pediu-me. Ofereci-me para fazer o registo e tratar da venda a mim própria. Ainda reforcei, dizendo que estou habituada a vender...

Cada um com a sua loucura, ah pois é...

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