Era uma vez um casal já com alguma idade que se apresentou ao largo da loja tal. O homem era muito tímido e calado, mal dizia as boas tardes e arrancar-lhe uma palavra dava trabalho. A mulher era toda séria e importante, não se relacionava com a ralé, para ela só acima da aristocracia é que valia a pena o esforço de lançar um simples olhar.
A senhora que trabalhava na loja tal estava a fazer a montra em cima dum banco e tinha de manter a porta meia fechada. Ou meia aberta, depende do ponto de vista. O casal estacou ali, não sabendo a senhora se queriam entrar ou estariam observando a montra, ou ainda, quem sabe, queriam vê-la trabalhar, já que uma senhora empoleirada se vê bem de qualquer lugar da rua e observar um poleiro é algo que as pessoas costumam gostar de fazer.
Não se contendo, a senhora da loja tal perguntou muito amavelmente se queriam entrar – o homem baixou a cabeça bruscamente e a mulher olhou para o lado empinando o nariz. A senhora da loja tal não quis dar importância a semelhantes atitudes, esqueceu a coisa e repete (muito amavelmente) se querem entrar. O homem revela timidamente e quase em surdina 'a gente era pa fazer uma chave...', e ao mesmo tempo ambos repetem os gestos, ele baixa os cornos, ela levanta a fuça. A senhora da loja tal insiste (é tão amável, esta senhora, e surda, afinal o homem já se tinha manifestado...) se querem entrar ela dá passagem. De novo a frase dele: 'a gente era pa fazer uma chave...' e os gestos dos dois: cornos no chão e fuça roçando o andar de cima...
Isto finda quando a senhora da loja tal (amável e um tudo-nada surda) ouve a frase, desce do banco e abre totalmente a porta para dar passagem ao casal.
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