Nome próprio: Justine
Sobre( o )nome próprio: Pancada
Madame Justine Pancada possui uma marcada pronúncia (não sei se francesa, só sei que carrega em todos os érres e que a gente lhe chama madame).
Noutros tempos, algo longínquos, de vez em quando vinha comprar fios de ouvido para o marido que não saía de casa (não sei se estava acamado, só sei que nunca o conheci). Antigamente ouvia-se o radio assim, com aquele fio fininho de cujas extremidades brota uma ponta metálica a colocar no radio e um cone a colocar no ouvido. Chamamos a este objeto simplesmente 'fio de ouvido'. Vendi muitos, muitos, muitos. À madame Justine vendia aos três de cada vez, o que poderá não abonar nada favorável à qualidade do fio de ouvido que preenchia as minhas prateleiras, mas o melhor é não explorar esta ideia. E também vendia cem gramas de naftalina e um saquinho de goma para os colarinhos. Vendia-lhe artigos de madame, lixívias e outros aprumos do lar, mais laboriosos ou mais imundos, eram com a antiga empregada, tão velha quanto a patroa.
A madame era extremamente educada, chegava a ser cordialidade o que transparecia da sua postura reta, justamente adequada à classe social na qual estava inserida. Agora me lembro, nunca veio cá dizer mal dos fios de ouvido, não senhores. Findo o armazenamento, comprava mais três.
O senhor Pancada, o homem que punha o fio no ouvido, morreu num dia qualquer, que a morte aparece assim, em dias desses. Da filha, escrevi uma vez um texto acerca do seu penteado imobilizado à força do brio e decoro, ou da laca... (Ver aqui, oh...)
Curiosamente, há dias esteve aqui uma senhora parecidíssima com a filha da madame Justine mas com um ar totalmente oposto, desempoeirada, o espírito livre, nada dos refreamentos próprios da senhora do penteado imobilizado, supostamente irmã, se o meu juízo de rostos estiver correto. Estive mesmo para perguntar se era filha da madame tal, já que me pareceu uma pessoa de fácil lidação, fazer como faço tantas vezes, marimbando para a vergonha e tudo quanto castra os momentos prazerosos. No entanto, não fui capaz, e agora lamento.
Uma vez fui a casa desta madame mas não recordo nenhum pormenor, o que me supõe a ideia de que o seu lar se assemelha à sua personalidade: clássica, sóbria, contida, irrelevante.
Não sei se a madame Justine será tanto assim, irrelevante, quando escrevo tenho de achar pontinhos de luz...
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