quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

A Velhota


À hora de almoço estava a cair uma chuvinha miudinha tão chatinha que resolvi ir ao Vasco da Gama passar o tempo. Andei por lá vagueando, vendo montras e expositores com artigos lindérrimos, desejando poder comprar tudo e não podendo comprar nada... enfim... nem o Rio Tejo fui ver por causa da dita chuva. Bebi o meu cafezito no sítio do costume, paguei os 65 cêntimos do costume e rumei direita ao trabalho que me aguardava pacientemente.
Entrei na carruagem do Metro e sentei-me. Mesmo à minha frente sentou-se uma senhora idosa com um ar muito simples. Não pude deixar de reparar que ela estava muito inquieta e ansiosa com algo, não parava sossegada. Vinha carregada de sacos e queria pô-los todos no colo, o que era, obviamente, impossível. Assim que os nossos olhos se encontraram, talvez com medo que eu desviasse o olhar, perguntou-me imediatamente:
- Este Metro passa na Bela Vista não passa, menina?
- Passa, sim - achei enternecedor ela chamar-me menina. Provavelmente terá o dobro da minha idade, por isso lhe pareceu que eu sou uma menina.
- Depois a menina diz-me quando for?
- Sim, eu aviso-a.
- Obrigada, menina.
Através do altifalante uma voz anunciou a próxima estação - Cabo Ruivo.
- É a seguir, menina?
- Não, ainda falta um bocadinho - confesso que pensei que ia ouvir a mesma pergunta em todas as estações. E não me enganei...
Entretanto ela ia falando. Consegui perceber que tem medo de andar de Metro, que gosta mais de andar de autocarro porque se vê onde se vai e ali não (sinceramente fez-me lembrar a minha sogra que diz exactamente o mesmo acerca das viagens de Metro...lol), que quando saísse dali ia apanhar o autocarro para não andar muito a pé, que é só duas paragens mas não faz mal, que tem passe e por isso não paga mais, blá blá blá... e eu ia sorrindo e abanando a cabeça porque nestes casos não é preciso falar muito, sei muito bem como é, àquela velhota bastava-lhe que eu olhasse para ela e a ouvisse.
De novo a voz do altifalante anunciou mais uma estação - Chelas. O Metro parou para tomada e largada de passageiros e arrancou para continuar o seu percurso. E a velhota não parava sossegada com o raio dos sacos... e tagarelava, tagarelava, tagarelava... e eu ouvia e sorria, ouvia e sorria, ouvia e sorria...
- É já na próxima, menina?
- Não, é só na outra a seguir
- É já a seguir, menina?
- Não, a seguir é Olivais. É só na outra a seguir.
Mesmo assim ela levantou-se para sair, não compreendeu o que eu lhe tinha dito. Agarrou nos sacos e levantou-se com a intenção de sair. Toquei-lhe no braço e disse-lhe:
- Não é nesta, é só na outra a seguir.
- Ai é só na outra? - era notória a vontade que ela tinha de sair dali. A muito custo conseguia esconder o pavor que sentia por estar ali debaixo do chão. Às vezes também a mim me acontece ter pensamentos do género: " É pá... e se esta porra descarrila, que é que eu faço? Então e se agora acontecesse um terramoto?" Sinto um sufoco, mas é num ápice que afasto estes pensamentos, porque não vale a pena estar a imaginar coisas.
Finalmente chegámos à estação tão desejada - Bela Vista. A velhota despediu-se de mim e educadamente agradeceu-me a ajuda que lhe tinha dado.
Estou muito habituada a lidar directamente com pessoas, muitas delas já velhas. E sei que quando se é velho os medos e os receios são muito mais difíceis de suportar porque se perdem capacidades com o passar do tempo. Enquanto eu consigo com facilidade enxotar pensamentos negativos tais como: descarrilamentos e terramotos, outros há que nem por isso... e há que ter paciência, saber explicar e saber ouvir.
Talvez um dia eu venha a ser uma velhota...

2 comentários:

Anónimo disse...

olá Gina....

Adorei as fotos estao muito giras..... Voltou acontecer que comentei um post e nao vejo o meu comentário...

Nao sei o que posas ser?

bem vamos ver se é desta que o meu comentário fica.
beijinhos
perdidosemafrica

DéborAurélio disse...

Adorei o teu post, simples bonito e transmite calma!!

Adorei...:P