domingo, 5 de julho de 2009

Post longo

Acabei, finalmente diga-se, de ler este livro. Retirei e publico os excertos que figuram já aqui abaixo, não porque sejam mais verdadeiros que o resto do livro mas porque me revi neles.


'A PERSONALIDADE DO ESCRITOR

Até agora estivemos a falar da arte de escrever um romance. Agora vamos aventurar-nos na paisagem brumosa do que significa escrever um romance. Pode recusar a noção de ser escritor-e-artista por qualquer número de razões: pode dizer que apenas quer contar histórias. «Não sei nada de arte. Não tenho aquilo que é preciso para ser artista». Mas você já é um artista: todo aquele que tem um sentido estético é um artista. Alguém que veja algum valor numa actividade não utilitária é um artista. Alguém que queira contar histórias é um artista.
Os problemas que cercam a palavra artista são os mesmos que cercam a palavra escritor. Estas palavras gemem sob o peso do significado, nenhuma delas nos poderá ajudar. Todavia, temos de falar disto, porque debaixo da negação, embaraço ou orgulho existe algo que tem de ser reclamado se queremos ser escritores de romances. Só quando reclamamos a nossa natureza artística a podemos desenvolver: todos podemos ser artistas, mas uns são melhores que outros. Porquê? Parte é trabalho inato e outra parte é a coragem de desenvolver algo dentro de nós que pode expor a nossa vulnerabilidade.


«Todos temos talento. O que é raro é a coragem de seguir esse talento ao lugar escuro onde ele conduz.» Erica Jong


Existem muito mitos à volta do artista talentoso. Um deles é o de que o artista tem um alto grau de habilidade, uma habilidade com as palavras, tintas ou movimento que é fora do comum. Contudo, não é uma característica definitiva. O que torna uma pessoa um artista não é o que ela tem, mas o que ela faz com o que tem. (Similarmente com um génio. Testes de Inteligência de pessoas consideradas génios indicam uma média de 120. Alto, com certeza, mas não por aí além: o que as torna especiais é o grau de criatividade que exibem com a sua inteligência.)
Ser artista tem pouco que ver com habilidade. Ser artista é uma questão de sensibilidade, isto é, como se relaciona com o mundo - o mundo real de chávenas, pores do sol, folhas que caem e os outros seres humanos. (...)


«Nós vivemos; os momentos são importantes. Isto é ser escritor: ser portadores dos detalhes que fazem a história.»
Natalie Goldberg


De mãos dadas com esta sensibilidade vão duas qualidades, a primeira das quais é a preocupação do mundo no qual se vive. Existe uma coisa que todos os artistas compartilham: um interesse excessivo pelo mundo. (...)
Os escritores - todos os artistas, penso - são pessoas fascinadas com o mundo e as pessoas que nele habitam. Alguns estão deliciados(...) mas todos querem saber e buscam. A personalidade do escritor é aquela que quer abrir a correspondência dos outros; ou que chora com as notícias; ou que deseja poder passar todo o dia a terminar frases do tipo: 'E se...?'; ou ignora os títulos e vai directo à pequena notícia de rodapé onde se lê: 'Rapaz salva peixe de morrer afogado'. Tem de se preocupar com o assunto sobre que escreve - isto é, as pessoas e as coisas, e o extraordinário de tudo isto. Se desprezar (...) o assunto ou os leitores (...) afastará as pessoas.(...)
Os olhos e os ouvidos ajudam-nos a ver o que é único no dia a dia. Já observou bebés assustarem-se com o mundo, já viu o que de extraordinário existe numa árvore, a imprevisibilidade dum gato? Se pudéssemos ser mais infantis e menos adultos, poderíamos deparar-nos com as palavras a saltarem da página. Mediocridade, atitudes mecânicas, utilitarismo, o 'o mundo-é-assim-mesmo' são influências que abafam. O impulso artístico é orgânico, caótico, fresco. Trata-se de nos libertarmos da influência castradora da rotina para que algo de novo possa brotar.
O que precisamos não é tanto de discernimento brilhante ou raciocínio sofisticado, mas de simplicidade e ingenuidade.

«As mentes pequenas estão interessadas no extraordinário; os grandes espíritos no lugar comum.»
Elbert Hubbard


Chegar aos leitores é importante - talvez vital, se queremos continuar. (...) Existe algo mais, contudo: uma qualidade misteriosa (...) - a integridade do acto criativo. Escreva por nada e para ninguém em primeiro lugar. Escreva porque tem de escrever. Escreva porque existe uma verdade que tem de ser lançada no papel. Escreva apesar da sua letargia, desespero ou dúvidas. Escreva porque não sabe como escrever, porque não sabe em que acreditar..
Depois escreva para si, pelo prazer que lhe dá. Escreva porque ama a língua, porque ama a fantasia, porque ama a liberdade de criar um mundo para além do alcance dos outros.


«A disciplina é o fogo refinado através do qual o talento se torna destreza.»
Roy L. Smith'

in 'Como escrever um romance e conseguir publicá-lo' Nigel Watts

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