domingo, 18 de abril de 2010

A prima





Quis o destino que a prima Adélia fizesse uma curta visita aos meus pais no mesmo dia que eu. O motivo da visita da prima Adélia era a morte da minha tia Delerina, porque não ficou 'sabendo a tempo que a moça tinha morrido', e depois mais adiante na conversa deixou-se dizer que não achou 'jeito nenhum o funeral ser lá tão longe...'.
Notei-lhe a pronúcia alentejana um tanto ou quanto suave e um vocabulário diferente e mais variado que o habitual lá na aldeia. Dada a pobreza em que vivera na juventude, tal como os meus pais, lembrei-me que a prima Adélia poderia ter tido a sorte de arranjar um marido rico e então ter experimentado costumes e lugares que de outra maneira não seria possível. Mas não, a culpa da pronúncia suave e do vocabulário variado nada tinha a ver com marido ou casamento - era da profissão, tinha sido professora. Quando soube fiquei encantada:
- A senhora era professora?
- Fui...
Respondeu 'fui', reparei. Era como se quisesse fugir à pergunta. Respondeu um 'fui' com um encolher de ombros e uma réstia de saudade no olhar.
À despedida demorou-se em conselhos aos ricos filhos. Aì, sabendo eu já da profissão da prima, revi nela toda a postura normal de uma profesora à moda antiga. Disse aos ricos filhos que a vida é tão boa conforme os fundamentos com que a contruirmos. Se a construirem com boas bases ela será forte e sólida, se não... Conversa mesmo, mesmo à professora. Parecia que estava a ensinar uma sala de aula cheia de meninos de bata branca sentados nas carteiras.
Os ricos filhos devem ter pensado: 'Bolas que até ao sábado a gente tem que gramar com stôras...' Mas eu cá achei muita graça à prima e à situação.

Nota: na fotografia: são os ricos filhos quando eram aindas umas criancinhas, expostos na casa dos meus pais.


2 comentários:

Manuel disse...

Delicioso este apontamento.
Gosto da forma mordaz como consegue abordar certos assuntos,

Gina G disse...

Obrigada, Manuel. :)