sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Não? Sim? Então?!

Escrever é perigoso. Não escrevas. Descobrirás que o mais abominável que existe no coração das pessoas tu também possuis, sentes, fazes. Descobrir-te-ás pior um pouco que os outros, afinal. Ficarás triste, aborrecido, abalado. Demente, até.
Não escrevas. Escrever engrandece os males do mundo e faz-te sentir pequenino e impotente. A desilusão consumirá o que de melhor tu possuíres. Concluirás que nunca vais conseguir mudar absolutamente nada na vida, nas pessoas, no mundo. Todas as coisas têm uma fórmula, um modo próprio e imutável.
Primariamente ainda te iludes com a ideia - que não te pertence - que conseguirás mudar o teu eu. Investigas-te, esquadrinhas, revelas-te... Bah! Tu és igual a ti, não mudarás um pensamento, um só, sequer. A tua natureza não se transforma naquilo que queres. Desiludes-te até contigo próprio.
Não escrevas. Tudo aquilo que escreveres será vão e mesquinho. Mutável, aí sim. O que escreveres mudará consoante o sentir circunstancial do leitor. Mesmo que o leitor sejas tu.
Não escrevas. Sentir-te-ás sem imaginação, sem asas. Os teus pensamentos serão bloqueados, como se o teu cérebro estivesse num quarto escuro dentro de ti. A prisão, o prendimento serão tão absurdos que enlouqueces de tédio.
Ahhh! Nada há para escrever! Não escrevas. Está tudo dito, nada há de novo debaixo do sol, da lua, das estrelas. Não serás original. Nunca.
Não escrevas, deixa-te disso.

Escrever é gratificante. Escreve! Escrever ajuda-te a conheceres melhor as tuas (in)capacidades. As dos outros também. Quando escreves passas a saber lidar com as pessoas. Vês pontinhos bons em pessoas de quem não gostas. O mundo brilha, é puro. Muda porque é esse o teu desejo, inventa-lo como queres que seja e tu quere-lo bom. Os momentos enquanto escrevente são do melhor que há para o espírito. Tu és uma pessoa maravilhosa quando escreves.
Escrever é rejuvenescedor. Escreve! Desabafas ao escrever. Escreves o que não és capaz de dizer. Extravasas. É alivioso, atenua as dores, desvia-te do sofrimento atroz, atentas no todo que é o mundo. Rejuvenesces pelo desanuviar de mente. Esquadrinhas, dissecas a vida, vais-lhe tirando pedaços ruins até a sentires boa e bem.
Escrever é agradável. Escreve! Importas-te, interessas-te, rebuscas pequeninas coisas em tudo e fá-las engrandecer até se tornarem indispensáveis. Observas a espuma das ondas e os sinos da igreja demoradamente porque queres escrever. Os cimos dos montes transformam-se em textos na tua cabeça, o horizonte de uma longa estrada, idem. Partilhas acontecimentos e contagias outros com o teu olhar polido e perscrutador.
Gostas de escrever, em suma. Força nisso. Escreve!

3 comentários:

Madrigal disse...

Interessante a clivagem entre o "diabinho" que diz "não escrevas" e o "anjo bom" que recomenda a escrita como uma panaceia para todos os males. Eu cá sou adepto do: escreve sempre, ainda que a mão te doa - e quando passar mais a dor, torna a escrever com o mesmo vigor (e lá vai mais uma rima!)

Um abraço

Gina G disse...

Eu também prefiro escrever, sempre. Foi por esse motivo que pus o 'anjo bom', como lhe chamas, em último. Queria que o sim perdurasse na memória dos leitores.

Anónimo disse...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel