quinta-feira, 30 de junho de 2011

A renda de bilros

Onde é que a cliente mora, perguntei eu ao meu colega.
Já vais ver, diz ele de volta, sempre preocupado em me proporcionar surpresas.
Fomos andando.
Não me digas que vamos a casa daquela senhora que tem um quarto com duas camas de solteiro e aquelas colchas giríssimas, pergunto, cheia de alegria.
Isso mesmo, remata ele.
Será que desta vez vou poder fotografar, pergunto, sonhadora.
Hum, não me parece, diz o bicho.
Pois, ela é daquelas que anda sempre ali de roda, digo, cheia de pena.
Enquanto o meu colega pendurava a sanefa numa parede a cair de podre eu via o Telejornal ou outro programa do género. Há vidas 'difíceis', pode dizer-se, mas garanto que preferiria estar já em casa lavando a alface e cortando os tomates, ou tratando da roupa, ou tomando conta dos bifes, ou, ainda, ralhando com os filhos que me deixam tudo fora do lugar.
Chegou a hora da abalada, todos à porta, quando se ouve uma chave rodando numa porta em frente. A mulher põe o dedo em riste, como para nos mandar calar, a ver se a outra ia embora, se entrava ou saía ou o caraças. Nisto, para ganhar tempo, completa a conversa iniciada algures lá atrás no tempo e já dispersa e esquecida. Assunto: renda de bilros.
«Que gosto muito de fazer. Que passo horas naquilo. Que esqueço tudo. Que esqueço até onde estou. Que é tão bom. Que a gente descontrai.»

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