Uns olhinhos brilhantes de ebriedade fixaram-me durante escassos segundos. Apesar do efeito do álcool havia neles uma ingenuidade comovente. Sustive aquele olhar carregado de curiosidade. Perguntou-me:
– Como é que consegues?
Perguntou sem dar espaço à resposta. Eu ia responder, oh se ia. Diria que não consigo, na verdade. Não consigo aguentar, é demais para mim. Rodopio cá dentro, procuro prazeres, é o que faço. Observo as folhas, as flores e o efeito ondulante que o vento lhes provoca. Atento nos animais, nos objetos, olha só que lindos, e as nuvens, já viste como estão hoje? Olho para os gestos das pessoas, os olhares, os passos, as atitudes. Capto ninharias, coisinhas ínfimas. Acato as ordens da natureza. Atento. Atento em tudo. E não reajo, preferencialmente. Isso aniquilaria os prazeres, deitaria por terra uma imensidão de sentimentos que me fazem sentir viva.
Ah, e escrevo. Quando escrevo fico com a ideia de que possuo todos os poderes e, portanto, consigo aguentar a minha vida. Escrevo muito. Passo a vida a escrever, diga-se. Martelo nas teclas ou penso em frases, desenho uma vida abundante. Escrever é algo bom. De certo modo escrever perdoa os males do mundo. Acontece assim, não sei como nem porquê.
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