Não ostento orgulhosamente o livro que ando a ler perante a outra gente. A outra gente que fala e ri. Pouco lhes importa o que ando a ler, muitos olham mas ninguém me vê com os outros sentidos.
Tapo o livro porque não quero danificá-lo e não que sinta algum embaraço no meu gosto literário. Pois se ainda por cima, ao momento leio uma obra considerada um dos melhores romances do século XX. É, portanto, demonstrada a sublime inteligência que possuo, não há que ter qualquer sombra de pudor.
E estou a gostar, estou a gostar do livro que ando a ler. É estranho, complicado, possui um entrosamento difícil (ou não muito fácil) de entender, mas eu gosto daquele emaranhado de pensamentos. Gosto das personagens, dos lugares, das cenas, do drama crescente em cada parágrafo.
Agora me lembro, comecei este post com a ideia específica de anunciar ao mundo que não tenho vergonha de mostrar o que leio, ou sequer as minhas criações simplórias. Pois não, não tenho. Ademais, por modo a abrir o livro no sentido certo, empreendi uma dessas criações simplórias, coloquei uma espécie de etiqueta em cima do papel que o forra e escrevi, com letras gordas:
«Ah e tal...»
Aqui sim, plagiei alguém, e isso é vergonhoso. Pareço o dos 'Gato Fedorento' naquele (já mítico) pequeno excerto que aparecia na Sic Radical (se não estou em erro) mostrando um gajo de dentes pretos chateado com algo que não dá para perceber o que é. 'Ah e tal... vem um gajo lá de baixo cá para cima...'
Foi horrível, exclamou ele, horrível, horrível!
Apesar disso, o sol estava quente. Apesar disso, uma pessoa acaba por ultrapassar as coisas. Apesar disso, a vida tem uma maneira só sua de adicionar uma dia a outro dia.
Apesar disso, o sol estava quente. Apesar disso, uma pessoa acaba por ultrapassar as coisas. Apesar disso, a vida tem uma maneira só sua de adicionar uma dia a outro dia.
In ‘Mrs. Dalloway’, Viginia Woolf
(página 74)
1 comentário:
Excelente escolha.
Mas eu também tapo a capa dos livros que ando a ler :-))
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