«Os elogios não se ouvem frequentemente, mordemos a língua sempre que os testificamos.»
Não há muitos elogios na minha infância. Há dois, pelo que recordo. Provêm da dona Elisa, a minha professora primária.
Um dia ela ditou uma frase para escrevermos no caderno. Não recordo grandes pormenores, não tenho presente se seria um ditado ou assim, só sei que a frase continha uma palavra que nenhum dos meninos escrevera até então. 'Ilustra', era a palavra. Foram pouquíssimos os meninos que escreveram corretamente. E já se está a ver que eu fui uma das que... Isso mesmo.
Mas a história não acaba aqui. Apenas apresentei a introdução, falta o cerne.
Sem querer, ouvi a dona Elisa falando com uma colega, comentando elogiosamente o meu desempenho com gestos largos e surpresa no rosto. Desempenho invulgarmente fantástico para a curta instrução, portanto.
Um outro dia, mais tarde, fiz uma redação em que (também duma forma que não recordo grandes pormenores) era preciso falar de botas e de estas ficarem largas.
Introdução exposta. Vamos ao resto.
Idealizei a cena com facilidade, na altura grande parte da população infanto-juvenil destas paragens saloias usava botas de borracha por causa das chuvas e dos rios fartos p'las estradas que desciam da escola até à (então) vila. Havia meninos e meninas a quem as ditas botas ficavam largueironas, fazendo um efeito dançante conforme se moviam. Então escrevi algo como isto: 'as botas dançavam-lhe nas pernas'.
A dona Elisa ficou supercontente com a minha lembrança, que tinha sido muito criativa usando esse exemplo e comentou isto mesmo perante toda a classe, inclusivamente.
Fiquei inchada das duas vezes. Orgulhosa e feliz. Em cima do mundo.
Sei que usei o instinto de escrevente, tanto duma como doutra vez. Sei que esse instinto e esse gosto pelas letras sempre me acompanharam e já vêm dos primórdios do letivo.
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