Tenho uma amiga que gosta de bolos redondos e pede ao homem da cafetaria que lhe avie um desses gordos.
Esta amiga agarrou no bolo e sentou-se confortavelmente, encostou as costas à cadeira, esticou o peito e estendeu as pernas. Eu bem vi.
Trincou, mastigou, saboreou. Deleitosamente. Com a boca toda, usando todos os sentidos, como estes se querem usados. Não tirava os olhos do homem da cafetaria que, absorto pelo trabalho, limpava os talheres. Eu bem vi.
Mantinha o corpo quieto e estendido achando que essa quietude lhe dava uma graça felina, mantinha o olhar no homem distraído como se ele fosse interessante para observar. Mantenças intuitivas, transformá-la-iam numa figura sensual, seguramente. Eu bem vi.
Num pequeno descuido um pinhão dos que cobria o bolo rolou por ali abaixo aterrando na curva do interior das coxas juntas. Agarrou no pinhão e meteu-o na boca, fitando o vácuo imaterial, cheia de mistério sedutor. Eu bem vi.
E o homem retirando bolhinhas d' água dos talheres com um paninho maculado e húmido, a cara séria, o pensamento ausente. Ela trincando o pinhão prazerosamente com os dentes da frente. Ele retirando os talheres molhados dum tabuleiro, passando o pano com minúcia, colocando os talheres secos noutro tabuleiro, como quando a gente automatiza um pequeno e incontornável gesto e lhe suga um prazer imaginário, antes que a vida desmorone e tenhamos de fugir. Eu bem vi, que eu bem via o homem, também ele.
Nisto, outro pinhão rola, aterrando na união das coxas unidas, por modo a coar pinhões rolantes, quiçá. Mas desta feita o fruto minúsculo estacou ligeiramente mais acima. Hum, que casualidade fantástica. Eu bem vi.
2 comentários:
Meu Deus, que sensualidade!
:)
Enviar um comentário