Cenário:
Sala de estar aprumada. Bibelots finos, cortinas de brocado, móveis de madeiras antigas.
Personagens:
Idosa, cliente pagadora.
Neta, cliente contratadora.
Funcionário contratado para colocar espanta-pombos numa varanda.
Acompanhante do funcionário que só está na cena por causa da boleia do mesmo ao depois de executado o trabalho. Ou seja: a que escreve.
Cena:
Estive perante a revolta dos pássaros. Dos pombos, quero dizer. A idosa demonstrou grande aflição e asco em relação aos pombos e suas descargas intestinais, que sujam a varanda. Os gestos eram largos e efusivos, a expressão espantada. A neta condescendia sorrindo, tão calma e repousada, grande contraste.
E a idosa rugindo queixas.
E a neta calada, um ligeiro arquear de sobrancelhas, como que desculpando-se do drama encenado.
E os pombos sobre os telhados e chaminés em frente, arrulhando no fim de tarde.
E os pombos sobre os beirais do monumento devoluto lá ao fundo, nervosos e inquietos.
E os pombos em voos rasantes sobre a varanda.
E a idosa em ânsias.
E a neta condescendente.
E o meu colega explicando.
E os pombos voando.
E eu esperando, observando, escrevinhando.
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