quinta-feira, 3 de maio de 2012

A voz

(Não, não vou escrever do Frank Sinatra)

Esteve aqui uma senhora com o papelinho da reforma para fotocopiar. Já percebi que agora é preciso preencher de novo um impresso com os dados mais básicos dos utentes, coisa que já não se via há uns anos.
Tinha uma voz (daí o título) muito peculiar, parecia uma voz de alguém muito habituado a fazer uso dela em pleno. Era profunda, grave, dominante, rara. Fazia lembrar a voz da atriz Emma Thompson.
Pediu-me licença para preencher o papel em cima do balcão. Anuí. Faz o gesto de quem vai começar a escrevinhar mas leva as mãos à cabeça, diz que lhe está a dar uma branca, não se lembra em o ano em que estamos. Ajudo verbalmente: 2012. Bem sei que me podia oferecer para escrever mas nem sempre esse tipo de atitude é bem tolerado, há velhos que se sentem diminuídos com as atenções, e eu nunca tinha visto esta senhora, logo, não sabia com o que contar.
Começou a parecer-me que ela estava rente ao desvario e fiquei expectante. Entretanto ela segura na caneta com uma postura guerreira, mas fraca, debilitada, e uma enorme vontade de mandar as brancas embora, agarrando-se à réstia de racionalidade que ainda sentia. Escreveu 2/12. Assim, tal e qual: 2/12. Não a corrigi, sentia-me desconfortável.
O que mais me impressionou neste pequeno episódio foi o contraste entre a voz dela e a sua insegurança, é que não tinham nada a ver. Mesmo.

1 comentário:

Manuel disse...

Apetece dizer que é a maldita PDI,