Morreu. Tenho pena que assim seja mas nada posso fazer para contrariar um acontecimento tão triste como a morte.
A tia Delerina enviuvou dias (ou semanas, não sei ao certo) antes de eu nascer, tinha quarenta anos. Depois lutou, labutou. Tinha apenas uma filha mas lutou e labutou. Arranjou marido, que tenha feito parte da grande peleja é que não sei mas arranjou um marido, de seu nome António Chora, o que naquele tempo era visto como um descalabro.
O meu tio emprestado era tímido e distante, manifestava-se pouco e não se misturava com ninguém, se calhar devido ao 'descalabro'. A minha mãe dizia-me para cumprimentar o tio e eu cumprimentava na bochecha, naquele sitiozinho da cara dos homens onde não há barba, mas nunca consegui vê-lo como meu tio como via outros meus tios emprestados: o ti Chico João que fazia anos no mesmo dia que eu, ou o ti Chico Mestre sempre tão sossegado. Também os cumprimentava na bochecha onde não havia barba mas esses sentia-os como meus tios.
Voltando à minha tia: fazia queijos e ganhava prémios, sei que ganhou alguns prémios confeccionando o queijo de Serpa. Nesse tempo, o das vacas gordas, a minha tia usava ouro com fartura. Dedos, pescoço, pulsos, tudo cintilava. Era moda, era assim e não era nenhum descalabro...
Eu gostava muito de ir à da ti Delerina. Mesmo sendo em pleno Baixo Alentejo, a casa dela era tipo algarvia, tinha um terraço no telhado. Tinha bonecas em todas as divisões da casa que tinham sido, ou não, da minha prima. Olhava-as cheia de desejo de lhes tocar mas nem me atrevia a pedir porque o 'não' era o que tinha como mais certo.
E foi assim. Ao momento é o que recordo da minha tia Delerina. Quando soube que ela morreu deitei algumas lágrimas porque gostava dela, era a tia mais engraçada que eu tinha. Não foram lágrimas de dor pela separação física porque não costumo estar perto dela, foram lágrimas de uma dor que sinto sempre que morre alguém que está na minha memória, que é bem lembrada e bom lembrar.