sábado, 26 de junho de 2010

Falar, falar, falar


A dona Genoveva foi pagar uma conta antiga, é o mesmo que dizer que não punha lá os pés há meses. Falou e falou como já é seu costume. Seria giro escrever o monólogo se não fosse impossível. Não é só impossível pela quantidade, é-o também pelo desalinho, não existe um fio condutor na conversa da dona Genoveva. É interessante ouvi-la mas dificilmente conseguiria transcrever o que ela diz.
No fim agradece-me muito o tempo que lhe dispensei, respondo que não faz mal. E não faz mesmo, gosto de a ouvir, o que até já referi aqui em tempos. Pergunta-me se não me deve mais nada, respondo que não. Tem a certeza, pergunta ela. Tenho, digo eu. Da consulta de psicologia, continua ela. Não, não deve nada, dona Genoveva. E rio-me. Ela gosta de me ver gargalhar, os olhos dela brilham. Fico contente pelo brilho mas não digo.
Umas horas mais tarde encontro-a na rua. Numa de recompensa pergunta-me pelos meninos, quer saber dos estudos e se não me dão trabalheiras infernais. Conto-lhe dos projectos dos ricos filhos e nego que me dêem trabalheiras dessas.
Depois as nossas vidas separam-se. Eu fui ao pão, ela foi não sei aonde. Andamos sempre sozinhas, como ela própria diz.


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