quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Amores da aldeia

Lisboa, 6 de Janeiro de 2012

Mariana Aurélia e Francisco João conheceram-se e juntaram os trapinhos como mandava a lei.
A vida em conjunto foi curta e feliz quanto baste.
Tiveram alguns filhos mas nem todos ficaram para semente. Noutro tempo era assim, não havia meios para combater algumas doenças, morria muita criança. Uma das meninas, moribunda, contava Mariana Aurélia, não se calou até soltar o último suspiro. Diz que não via: 'ó mãe eu já não vejo, ai mãe que eu já não vejo!'
Ainda assim, a vida correu-lhes menos mal. Ou menos bem, depende do ponto de vista. A fome existia, as necessidades básicas não eram totalmente supridas.
Um dia, Francisco João, ainda jovem, espetou um prego no pé. Apanhou tétano, a temível doença que ceifava as gentes nos anos 30 do século passado. Não escapou, morreu. Trinta e tal anos... Trinta e quatro anos, a Mariana Aurélia.
Depois foi o luto, Mariana Aurélia nunca mais largou o negrume na sua indumentária até lhe terminarem os dias.
Os filhos famintos, a casa paupérrima, o desgosto. A falta de trabalho para uma ainda jovem viúva, noutro tempo era assim...
Filhos criados, casados e despachados. Netos, bisnetos. Afazeres e família. Companhia, enfim. Mas Mariana Aurélia tornou-se ruim, invejosa, intempestiva. A viuvez era um cargo que não abandonaria jamais, noutro tempo era assim...
Depois de meia vida de solidão matrimonial, de castigo e ruindades de várias espécies, bem como dalgumas coisas boas, Mariana Aurélia morreu no táxi que a levava ao hospital. Tinha os dedos negros e encarquilhados por causa da aflição. Ao tempo que o coração andava fraco...
Fim.

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