sexta-feira, 30 de março de 2012

Mar alto e as baleias

Rascunhado daqui.

Paulina adorava aquele cantinho. Sentada, sem companhia, sossegava os ímpetos da soberba. Bebia o café pausadamente, apreciando o sabor acre e o quentinho tão bem-vindo, reconfortante. E viajava. Por mundos de portas e travessas inventadas, ou então não, pessoas conhecidas mas sem rosto, se bem que tudo fosse mental.
No radio tocava a canção das baleias do Roberto Carlos, esse ícone do romantismo pobretão e reles. Aquela canção é um hino à conservação da espécie marinha, nada tem a ver com o amor entre humanos, entre homem e mulher, rapaz e rapariga.
Rapariga... Os acordes da canção transportaram Paulina a um lugar e tempo distantes. Lembrou-se de quando um rapaz giro cantou no Karaoke, de como desafinou, de como se riu de si próprio, pleno de graça juvenil. Era a balada das baleias, que vontade de dançar agarradinha, de se aninhar... E ele cantava tão mal, coitadinho, mas como estava divertido! Eram tão jovens... Os dois.
Paulina tinha um ar sonhador. Sorria. Inconscientemente ia mexendo no pacote de açúcar, a mão apoiando o queixo, enquanto na sua cabeça surgiam imagens duma época sobre a qual passaram décadas. Saudosista, viajou no tempo, a sua vida construía-se assim, memorial, todas as existências imateriais dentro da sua cabeça. Todas.

Lá ao fundo Amorim espiava todos os movimentos de Paulina. Curioso como estava manteve a atenção totalmente concentrada naquela figura sonhadora e apartada do mundo real. É então que Paulina dá pelo olhar de Amorim e fica muito ansiosa. Ele aproveitou esse olhar rápido e nervoso para entabular conversa, falando da música tão bonita e do quanto ela lhe pareceu sensível ao ouvi-la. Paulina ficou sem fôlego, a cara quase explodindo fogo vermelhão. Mas não fugiu. Respondeu lugares comuns sorrindo docemente, fingindo que Amorim não tinha importância nenhuma, mas lá no fundo queria falar com ele durante o resto da manhã, era tão raro alguém lhe dar atenção... Porém, não prolongou mais a conversa, sabia que aquele era um amor impossível. Ou uma espécie disso...

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