domingo, 8 de junho de 2008

Ossos do ofício

Quando a vi ela estava de ferro de passar na mão. Tinha no olhar um certo quê de revolta e desprezo. Um olhar de gelo e contrariedade pousava na roupa e o ferro deslizava desfazendo vincos. Desejei que o vapor quebrasse o gelo. Porém, tal não aconteceu.
A TV emitia o novo videoclip da Madonna. Aproveitei para iniciar uma conversa e comentei o fulgor de alguém que está perto dos cinquenta anos ainda demonstra:
- A Madonna é incrível, não envelhece!...
- Sim... - responde ela sisuda - tem o mesmo aspecto há muitos anos. Mas também... com aquele dinheiro todo... eu faria o mesmo! - reclama com azedume na voz.
"Bolas!" - pensei eu - "Tou feita com esta caramela!"
- Ná... há pessoas que esquecem que vieram de baixo... - continuou ela.
Devo ter feito uma cara de espanto e pensei:
"Há pessoas que vieram de baixo?!?! Mas para que é que isso interessa?!?! É claro que a Madonna veio de baixo! Quando iniciou a carreira não tinha o sucesso de hoje, é óbvio! Quem terá feito tanto mal a esta rapariga, pá? ' Pera aí... isto é inveja da impura... só pode!"
Há pessoas assim - invejosas. Achei melhor não continuar a falar da Madonna já que a rapariga não reagira bem. E a conversa continuou sobre outros assuntos. Tive que fazer algum esforço para continuar a conversar com aquela rapariga uma vez que , por uma razão de índole profissional, eu não tinha o privilégio de poder fugir dali. Naquele momento, fugiria com prazer, se pudesse.
E assim, mesmo que o tema de conversa tenha alterado por diversas vezes, ali continuei a ouvir desabafos despropositados e queixas de quem tem a barriga cheia e a cabeça vazia.

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