sábado, 6 de setembro de 2008

Antóino!

A panela de pressão começara a dar sinal de fervura. A boneca moveu-se na válvula e logo de seguida pôs-se a rodopiar simulando uma dança que terminaria assim que os alimentos estivessem cozidos. Toda a minha vida ouvi a minha mãe chamar boneca ao apito da panela de pressão. Assim que começa a dança significa que começa a fervura e é necessário fazer-se a contagem do tempo da mesma.
A terceira (!!!) cozinha da minha mãe ainda não tem relógio nenhum na parede...

- Antóino! - chama a mãe da cozinha.
- Que é? - grita o pai que estava no quintal.
- Diz-me lá aí as horas.
- Faltam cinco para as seis.
Silêncio. Ouve-se a panela de pressão com a boneca a girar. O pai continua por ali, vai arrumando umas coisas... A mãe abre a janela da cozinha que dá para o quintal:
- Antóino!
- Hum...?
- Já não me lembro que horas eram...
O pai flecte o braço esquerdo e olha de novo para o relógio para transmitir as horas certas.
- Eram cinco para a seis, agora são quase seis, faltam dois minutos.
De novo o silêncio alentejano, quieto e sossegado pela ausência de muitas coisas e, evitando-me uma sensação de entontecimento pela inexistência de ruído, ouve-se lá dentro da cozinha a panela fervendo e a boneca dançando.
O pai já arrumou os garrafões de água que trouxe do Poço das Fontaínhas e trata agora de preparar a bicicleta para a guardar na pequena garagem. Entretanto todos participamos numa amena cavaqueira.
A mãe assoma à janela. Silenciamo-nos todos e todos olhamos para ela.
- Antóino! Já não me lembro que horas eram... - nota-se-lhe um muito ligeiro desconsolo na voz.
A Ana Cláudia solícita responde em vez do avô:
- Avó, eram cinco para as seis...
- São agora seis e dois minutos - conclui o pai, que tem uma cisma muito peculiar com horas certas.
Volta a ocupar-se dos seus afazeres, não pára quieto um só instante. Todos vamos conversando e rindo, contando peripécias das férias. O pai escuta e manda umas larachas aqui e ali. Quando, pela quarta vez, aparece uma figura familiar à janela da cozinha:
- Antóino!

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