sábado, 28 de fevereiro de 2009

Poesia

Durante esta semana tive muito tempo para ler. E li. Tinha tempo entre um apoio ao rico filho e um cochilo dele. Teria usado muito desse tempo para escrever mas não havia computador (meu) ou internet (minha) por perto. Assim o que fiz foi fixar na minha cabeça as coisas que queria escrever posteriormente e outras apontá-las.
Para me entreter comprei uma revista que trazia um livro agregado, um livro cujo autor escreve prosa e verso - Nuno Júdice - o qual desconhecia.
Habitualmente não gosto de poesia. Porque não me identifico com ela, porque não me vejo lá. Mas li os poemas de Nuno Júdice e gostei. Muito. Senti as palavras. Vi-me nas palavras dele. Nestas:


Rotina

Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres a rua que desemboca
noutras ruas, e as pessoas com quem se cruzam
em cada início de manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. Mas
o dia nasceu - um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua. Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar, esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
o teu gesto; ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça.

Nuno Júdice

12 comentários:

Anónimo disse...

Para quem não gosta de poesia, o teu perfil («Eu sou isto»)é um belíssimo poema

Gina G disse...

Sério?!
E eu que me anda a dar vontade de eliminar aquilo... se calhar é melhor ficar sossegada. Já que gostas não vou tirar. ;)

Anónimo disse...

«... E eu sou isto...»

Nem a mais leve sombra de serenidade
Repousa ou perpassará em mim.
Eu sou o desassossego,
O alvoroço, a inquietação constante
O vento que mal sopra e arrasou…
A explosão fátua e fulminante.

Jamais pensei em ti tranquilamente,
Faço da imagem frágil, do quadro terminado,
O ímpeto vigoroso, o desejo incendiado…
Do regato tímido, crio a onda incandescente!

Por isso vou por aí fora cada madrugada,
Desafiar a tirania do relógio,
Das leis e preceitos e decretos
Que o tempo impôs ao espaço.
E vou bebendo uma a uma,
As gotículas das lágrimas marejadas
Que parecem propender dos choupos
E das bétulas e acácias,
Mas sei (e ambos sabemos também!)
Que foram choradas ontem por ti.

Recusa pois o mundo e vem comigo
Afastar o vulgar e mesquinho anseio
De ser feliz.
Eu só quero pensar em ti…

E mesmo sem estar nesse leito oloroso,
Quero ficar hoje ao teu lado.
Não sentes, amor, que não existe tempo, nem espaço
Para a sensação do meu abraço?

Gina G disse...

Lindo! :)
Obrigada.

Anónimo disse...

Gosto do modo como escreves. Mas diz-me: a tua melancolia é recurso literário ou sentimento?

Gina G disse...

Sentimento. Só sei escrever sobre aquilo que sinto.

Anónimo disse...

Aguardo pela neve prometida. Hoje preciso de neve para escrever poesia. E estou certo que cairá daqui a pouco. Faz frio, há um rumor de neve no ar. Aqui, na Estrela. No Hermínio. Muito frio já.

Anónimo disse...

Foi a poesia que me levou ao teu blog. Acidentalmente. Passeei-me nas tuas palavras. É um excelente recesso de coisas bem contadas. Inartificiosas. Parabéns. A sério que sim. Detesto blogolixo, e agradou-me o teu cantinho. Voltarei.

Gina G disse...

Obrigada, João.
Agradou-me saber que o meu blogue não é blogolixo. :)
Sendo que o meu blogue sou eu e que 'normalmente acho que não presto para nada', o teu comentário foi um elogio e tanto. Obrigada.

Anónimo disse...

Olá Gigi! O que deveras não me agrada é essa toada pesarosa. Claro que prestas! E muito. A tua relação com o mundo é fantástica. O universo dos amigos, filhos, trabalho… que bom gosto! E escreves bem, como te disse ontem. E olha que sou exigente, enquanto professor universitário, na Universidade de Salamanca, acredita que sou. Gostei de ver a desenvoltura e argúcia com que te saem aquelas respostas a quem te aborda diariamente… Fizeste-me lembrar alguém muito da minha privacidade. Um boémio, é verdade. De uma inteligência cintilante: O escritor legendário conhecido por Pad’Zé (1877-1908). Escrevi a sua biografia em 2000: http://duascidades.blogspot.com/2006/07/pad-z-o-cavaleiro-da-utopia-de-joo.html. Em Abril próximo sai a segunda edição, que reescrevi agora, para Editorial Minerva (Coimbra). Mando-te o livro se quiseres. Ou todos os meus livros. Dedicados. A ti, filhos e pai, como desejares. Com uma condição: joi de vivre, si vou plait.

Gina G disse...

Agora é que fiquei quase sem palavras! Muito me lisonjeias com esta resposta e com a oferta - sim, gostaria de ter os teus livros. Mas como se há-de fazer? Aguado resposta no e-mail: ginagrangeia@msn.com.

P.S. Infelizmente o endereço que gentilmente disponibilizaste não está correcto, o que é uma pena porque deixou-me curiosa.

P.S. 2 Até me sinto um bocadinho estranha por te tratar por tu...

Anónimo disse...

Olá! Enviei e-mail. Confirmei e o endereço que te deixei - http://duascidades.blogspot.com/2006/07/pad-z-o-cavaleiro-da-utopia-de-joo.html - está bem!