segunda-feira, 17 de maio de 2010

Jogar


- Bem, este rapaz vai pôr o Euromilhões! - Diz o senhor Rodrigues debaixo da sua firmeza habitual. É que é preciso muita firmeza para se chamar de rapaz quando se deixou de o ser há largas décadas, como é o caso.
Dou por mim a perguntar:
- Porque é que joga, senhor Rodrigues?
Ele faz aquele ar algo cómico, levanta o sobrolho direito formando um arco muito pronunciado e detém-se por escassos segundos. Depois, numa tentativa deliberada de me espicaçar, investe:
- Dá-me uma razão para não jogar.
O sobrolho arqueado, imóvel. Eu que sou muitas vezes lenta nas respostas mas também sou, e talvez na mesma medida, espontânea, prossigo:
- A sua idade avançada e o facto de não precisar de dinheiro.
Dei-lhe duas razões válidas que ele aceitou rapidamente. Rapidamente demais para o seu costume.
- Sabes, filha... Jogo porque sim... - O sobrolho descontraiu e a expressão assumiu tristeza e solidão. Compreendi que jogar para ele é só uma maneira de gastar o tempo com qualquer coisa que o faça esquecer as agruras da vida.
- O senhor joga porque gosta da expectativa, não é?
- É... - Suspirou ele.
Talvez eu esteja mais atenta que o costume mas o facto é que noto o senhor Rodrigues um tudo-nada diferente, menos reivindicativo e bem mais acessível. Isto a mim dá muito que pensar...


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