segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O sô João, esse amor de velhinho

Talvez por volta do ano 1995, nos primórdios do meu balcão, havia um senhor que me dava nos nervos. Sei lá porquê! O homem afligia-me. Não sei se era a explícita avareza que ele detinha, se seria eu a confundir o notado desdém com que me tratava com uma curiosiodade crescente sobre a minha presença neste lugar. Não sei o que era, o homem chateava-me, os seus comentários aborreciam-me, a sua presença atingia-me negativamente.
Um dia, (ainda estamos nos primórdios do meu balcão) andava eu de roda das montras, era necessário andar para cá e para lá, retirando e colocando artigos. Como o sô João estivesse presente na loja (que é exígua), era imprescindível passar rente a esse senhor, que ainda não era velhinho nem nenhum amor. E eu, que sempre fui dotada de uma capacidade invulgar para atuar inesperadamente, cada vez que passava juntinho, muito juntinho ao seu ouvido (ele é da minha altura, sensivelmente), rosnava-lhe porque não gostava dele. Ele, atónito, voltava-se rapidamente na minha direção. Eu, séria, fazia a minha vidinha, colocando as coisinhas na montra. Ele descansava. Pouco depois eu voltava à carga. Isto aconteceu umas três ou quatro vezes, até eu achar que já chegava. Fiquei toda contente com a minha prestação, inchada que nem uma perua com a coragem que tivera, convencida que havia feito algo glorioso, completamente vingada.
Bem, isto passou-se.
Um dia, (continuamos nos primórdios do meu balcão), o sô João falou com a rica filha, a menina que sempre foi espevitada e comunicativa. Comparou-a com o neto, um menino mais ou menos da mesma idade (quatro anos) que pouco ou nada dizia, e o que dizia era tudo atabalhoado. Ficou tão surpreendido que elogiou a minha criança, que era muito engraçada, muito faladora, dizia tudo e blás.
Ora bem... 'Quem meus filhos beija, minha boca adoça'... Comecei por ser condescendente para com o sô João, dar-lhe um tipo de atenção diferente, observá-lo sob outro ponto de vista, afinal de contas o homem tinha ficado abismado com a inteligência suprema da rica filha, havia necessidade de mudar as coisas...
Os anos passaram, eu evoluí em algumas áreas, experienciei uma série de coisas, amadureci. O sô João sempre tinha alguma coisa a dizer-me, com o seu jeito peculiar de comunicar, parecendo ele que estava muito zangado... Quando não estava.
Mais recentemente, dei por mim escrevendo no blogue acerca do sô João, esse amor de velhinho. Mas não que o seja, eu é que o vejo assim, aprendi a dar-lhe a volta...

O sô João, esse amor de velhinho, está a morrer. Não há esperança, o próximo estágio será a morte.
Pensei em visitá-lo, por uma questão de cordialidade, mas foi-me aconselhado a não me meter nessas andanças, uma vez que o seu estado é deplorável e desconhece-se se ele reconhece alguém, sequer se sabe se ouve ou compreende.
É a morte, sempre rondando a vida...

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