" Dez horas da noite. A vida era igual, a pressão era a mesma. Todos os dias a rapariga se deparava com o mesmo. Bastava passar naquela rua de gente fina para ouvir os piores comentários. Não era só a cor da pele, eram as roupas que vestia, a vida que levava. Ninguém sabia quem ela realmente era, ninguém procurava entender as suas razões. Felizmente, havia alguém. Alguém que tentava compreender, alguém que não julgava sem saber o porquê. E esse alguém, esperava-a todos os dias no final da "rua dos ricos", como lhe chamava sempre. Era mais do que trabalho, havia cumplicidade, havia até amor. Se isto fosse um conto de fadas, ela seria a princesa e ele seria o príncipe. Todos os dias, eu, da janela do café da "rua dos ricos" a via passar, todos os dias o senhor do café fazia comentários e eu, todos os dias perguntava-me porque é que a rapariga não podia ser de outro jeito. Se pessoas como eu, têm a vida tão fácil de viver, porque é que outra tinha de dar o corpo e a alma em troca de dinheiro para viver? Cada vez que a vejo passar, vejo que a vida é injusta, uma injusta realidade. Não sei os porquês da rapariga, mas ninguém o faria por puro gosto e a maioria das pessoas esquece-se disso mesmo.
Um dia desses, quando a vir passar, quando ouvir os comentários do senhor do café, vou chamá-lo à realidade, vou fazer com que me dê ouvidos. A vida não pode ser assim tão injusta."
Vi este texto em cima da minha cama. Li-o e vi que a autora era a minha filha. No final do texto estava o nome, o número e a turma a que pertence, por ser um trabalho para a escola.
Achei que o texto transmitia clareza e intensidade levando em consideração a sua pouca idade (16 anos) para um assunto desta natureza.
Passados uns dias perguntou-me se o tinha lido e eu respondi-lhe que sim. Depois perguntou-me se eu já o tinha publicado no meu blog. Disse-lhe que não, se o tivesse publicado ter-lhe-ia pedido autorização primeiro.
- Ohhhh... - fez ela - eu deixei em cima da tua cama de propósito para tu leres... pensava que querias pô-lo no teu blog.
- Mas queres que eu o publique?
- Sim.
E eu assim fiz. Está feito.
P.S. O Luís acha que se nota nas palavras dela, parecenças com as minhas. Acha que ela escreve como eu. Também achas?