Agora ando a tomar umas substâncias que me tornam inteligente mas não de imediato. Primeiro fico gorda que nem uma porca, depois estupidamente bem-disposta. Só passadas estas duas fases a inteligência se faz sentir, direi palavras plenas de sabedoria e profundo bom-senso e escreverei debaixo de grande criatividade.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Dias de um ginásio
Saí do WC directamente para o vestiário e encaro com o olhar frio e prescrutador de uma mulher toda nua a espalhar creme nas mamas. Acho que nunca tinha visto uma cena tão aterradora na minha vida...
Vai lá, vá
Vai ali assim. No caminho compra um metro de entretela, é precisa para os teus vestidos. Refunde o desejo de namorar a montra da ourivesaria, não suspires sequer. Não olhes para os sofás de lindos tecidos que o senhor tal tem expostos, deixa lá que chegará o dia em que voltarás a compôr a sala com um lindo sofá. Cumprimenta a Fátima dos sutiãs, o Zé da vidraria. A esse diz-lhe que logo à noite te encontras com ele na festa da alameda. Compra amêndoas, nozes, chocolate em pó e aveia no senhor Salvador e deixa os pêssegos e as cabeças de alho, logo os compras amanhã, ainda tens de ir ver umas coisas no chinoca. À vinda cumprimenta o senhor da camisaria, o viúvo recente, aquele que mastiga as palavras: 'Boa tarde, minha senhora. Está boazinha?' Acha piada, vá. Ri-te do pobre homem quando ele mastiga a palavra 'boazinha'. É tão giro. Giro, giro, giro.
Saudação célere e dispensadora de retribuição
Olá, então como vai o senhor?
Está tudo bem?
A vidinha corre-lhe bem?
Tudo positivo e afirmativo, não é verdade?
Está tudo bem?
A vidinha corre-lhe bem?
Tudo positivo e afirmativo, não é verdade?
Redes sociais
Redes sociais, hoje é o dia delas. Muito se fala destas lides modernas...
Quanto a mim o virtual é igual ao real, a diferença está no meio de comunicação. O real é feito, vivido, exprimido pelas mesmas pessoas que compõem o virtual, pessoas que por sua vez fazem, vivem e exprimem-se aí também.
Que importa ter muitos amigos no Twitter que não são realmente nossos amigos, que importa mostrar os sítios das nossas preferências e expressões muito nossas e poses íntimas no Fuçasbuque? Acaso não vivemos tudo isso na nossa vida real? Acaso não temos todos vontade de mostrar as fotos de telemóvel aos nossos amigos, de divulgar onde andámos nas férias, bem como o que por lá fizemos, ou de contar o que nos aconteceu agorinha mesmo? E, efectivamente, fazemo-lo, certo? Na virtualidade falta-nos o olho no olho e a entoação da voz, é certo, a proximidade física dá mais paladar às relações, é verdade sim senhores. Mas eu cá acho que a realidade e a virtualidade são a mesma merda, o cheiro é que é diferente.
Desenganem-se, vá lá. Pessoas são sempre pessoas, pessoas que dizem e fazem as mesmas coisas dia após dia. Não há volta a dar...
Noutro dia die uma ideia ao Luís:
– Olha, amor, devíamos fazer um Fuçasbuque para a tartaruga, que achas?
– Ah, está bem, era giro.
– Então e depois quem é que 'falava' por ela, eu ou tu?
– 'Falavas' tu, dizes menos asneiras.
Folgo que lhe baile essa ideia no pensamento...
E agora, numa de Fuçasbuque ou outra treta do género: não estou tão gira na foto? Ai que saudades das férias em Tomar...
A renda de bilros
Onde é que a cliente mora, perguntei eu ao meu colega.
Já vais ver, diz ele de volta, sempre preocupado em me proporcionar surpresas.
Fomos andando.
Não me digas que vamos a casa daquela senhora que tem um quarto com duas camas de solteiro e aquelas colchas giríssimas, pergunto, cheia de alegria.
Isso mesmo, remata ele.
Será que desta vez vou poder fotografar, pergunto, sonhadora.
Hum, não me parece, diz o bicho.
Pois, ela é daquelas que anda sempre ali de roda, digo, cheia de pena.
Enquanto o meu colega pendurava a sanefa numa parede a cair de podre eu via o Telejornal ou outro programa do género. Há vidas 'difíceis', pode dizer-se, mas garanto que preferiria estar já em casa lavando a alface e cortando os tomates, ou tratando da roupa, ou tomando conta dos bifes, ou, ainda, ralhando com os filhos que me deixam tudo fora do lugar.
Chegou a hora da abalada, todos à porta, quando se ouve uma chave rodando numa porta em frente. A mulher põe o dedo em riste, como para nos mandar calar, a ver se a outra ia embora, se entrava ou saía ou o caraças. Nisto, para ganhar tempo, completa a conversa iniciada algures lá atrás no tempo e já dispersa e esquecida. Assunto: renda de bilros.
«Que gosto muito de fazer. Que passo horas naquilo. Que esqueço tudo. Que esqueço até onde estou. Que é tão bom. Que a gente descontrai.»
O pio
Um cliente muito desconfiado da minha competência perguntou-me:
– Ó menina, isto está bom?
– Eu só faço coisas boas.
– …
(Este perdeu o pio com tão pouco, pobre coitado...)
– Ó menina, isto está bom?
– Eu só faço coisas boas.
– …
(Este perdeu o pio com tão pouco, pobre coitado...)
No cinema
«Ricos filhos, a mãe está mesmo velha, já levo os óculos para o cinema...»
A rica filha pousou os pés nos bancos da frente. Ralho com ela:
«Agora não! Só quando ficar escuro!»
A rapariga fartou-se de rir. Trocista, disse qualquer coisa como: «A minha mãe não se importa que eu ponha os pés em cima do banco se estiver escuro...»
Realmente, quando os filhos chegam à idade adulta, ralhamos de outra maneira, afinal eles chegaram ao clube dos adultos, somos mais iguais, não abolimos os ralhetes de todo, mas deixamo-los ver que nós também fazemos asneiras – irrizórias e distas de fraude, saliento - e isso faz-nos crer que as asneiras deles, agora, não têm um peso tão elevado.
Intervalo
Este post serve para fazer um intervalo inócuo. A seguir vou escrever acerca dos ricos filhos e não quero as obscenidades do Clóvis rente aos meus meninos.
Regresso ao presente
O Clóvis regressou de férias. «Eh pá, 'tive cá numa mansão... Aquela merda é grande que se farta. Foda-se! Tem piscina, ar condicionado e essa paneleirices todas. Eu é que era o cozinheiro de serviço mas... Eh pá! Muito fixe, muito fixe. De manhã e à tarde era piscina, 'tás a ver, e à noite era cinema. Eles têm lá uma sala de cinema com aquelas merdas todas paneleiras para a gente ver... Ah pois é, 'miga...'
50%
Uma vez pus um doutor das ciências, outra vez um de números, a olhar para mim feitos parvos depois de ouvirem esta minha afirmação:
Quando jogamos temos cinquenta por cento de hipótese de ganhar.
Só há duas hipóteses, logo, das duas uma: ganhamos ou perdemos. Certo, senhores doutores?
Tenho outra história do punção
Era uma vez um senhor que se refastelava numa esplanada pequenina. A tarde estava quente mas cheia de sombras, a brisa soprava ligeira, a imperial estava no ponto. A sede e o cansaço eram quase bem-vindos com tanta coisa boa para os exterminar.
A esplanada, paredes-meias com uma das minhas montras e bem próxima do meu punção... Martelada vigorosa:
Bum!
– Porra! - Exclama o homem, assustadíssimo.
Eu, que sou curiosa e ruim, assim do nada, apeteceu-me mais uma martelada:
«Deixa lá ver se o homem salta na cadeira outra vez. Gosto tanto de fazer estas maldades...»
Mais vontade, mais pujança:
BUM!
Mais ênfase, mais cagaço, mais, muito mais:
- PORRA!
Tiro e queda, é caso para dizer. Ai o que eu gosto disto!
quarta-feira, 29 de junho de 2011
...
terça-feira, 28 de junho de 2011
Lisboa, 28 de Junho de 2011
E pronto
É assim
Hoje fartei-me de escrever
É caso para perguntar:
Alguém teve saudades?
Alguém notou a minha ausência?
O meu não-escrever?
Não respondam, caríssimos leitores
Sei que não
Não tenho fotos do dia corrente
Mas tenho de outro dia
Um dia de lazer
Já lá tão longe...
Parece que nem aconteceu
E tão presente em simultâneo
Caríssimos, até amanhã
Atenção, este é um post sexual
Tenho um cabeleireiro novo. Novo e novo. Novo para mim e novo em idade. Também tenho um penteado novo.
O cabeleireiro... Vou chamar-lhe Mimi. O Mimi, antes de me pôr as mãos e a tesoura, elogiou-me a beleza e acrescentou que me ia pôr ainda mais bela. Acreditei piamente, sobretudo na primeira afirmação, existem alguns piropos fantásticos se os 'entas' já se fizeram chegados, o que é o meu caso.
Já se percebeu, não é verdade? O título deste post é um engano.
To be continued, perhaps...
Consulta
Hoje era para ir à senhora doutora mas telefonaram-me do centro de saúde a dizer que não me querem lá, eu que continue a meter o ansiolítico no bucho se é essa a forma que encontrei para aguentar a minha vida. Quando esses miligramas não forem suficientes eu que aumente a dose, já sei como é, e junte também aquele outro, aquele em que podem escorraçar-me que eu não dou por nada, o que envolve a minha vida numa nuvem espessa e morna e faz de mim uma pessoa dormente... mas estável. Um dia mais tarde, quando já nada disto fizer efeito, eu que me dirija a uma dessas instituições onde estão alojadas as pessoas com vidas sem solução. Eu que berre até ficar afónica e estrebuche até à exaustão, aí sim, conhecerei o sofrimento atroz.
Ná... É mentira. Eles, os do centro de saúde, querem-me lá sim senhores, telefonar-me-ão um dia desses para dizer quando. Estou desejando, quero muito ser toxico-independente.
Um cliente especial
O cliente entrou e perguntou o que era o prato do dia. Notei logo uma certa apreensão e um ligeiro tremor na voz do senhor do restaurante. Não demorei muito a confirmar os nervos do homem.
«Quer o vinho fresco, natural ou um pouco de natural e um pouco de fresco?»
«O pão está bem assim? Quer que corte às fatias fininhas?»
«Está bem assim, ou quer mais canela no arroz-doce?»
Tantos nervos porquê, quererá certamente o leitor saber. O cliente era um polícia com uns ares de mandão que só visto... Quem o servia temeria multas de mau atendimento, presumo.
De joelhos
O sô Veríssimo...
«Sabes como é que eu chamei ao sô Veríssimo no meu blogue?»
«Não.»
«Sô Veríssimo.»
Sorrisos.
«Mesmo que um dia ele saiba que escrevo num blogue, o homem vai lá querer saber como o chamo!»
Hum, agora me lembro, ia escrever dos joelhos do sô Veríssimo, daí o título do post.
O sô Veríssimo é um homem entradote que não prima pela simpatia. No entanto, ao longo dos anos tenho conseguido conquistar-lhe o coraçãozinho, e nem foi preciso dar-lhe a provar os meus doces, bastou-me ir dizendo uma coisinha aqui, outra ali.
Noutro dia apresentou-se-me, queria lâmpadas dentre outras coisas. Nas calças tinha severas marcas de lama e pó do chão.
«O sô Veríssimo andou de joelhos a lavar o chão?», perguntei eu, brincalhona.
«Foi a pagar uma promessa.», disse o meu colega, sempre muito piadolas.
O sô Veríssimo ri-se muito, chegando a ficar corado, e despacha a primeira coisa que lhe vem à cabeça.
«Não, não foi nada disso que vocês estão a pensar... Eu estive de joelhos mas não foi a fazer essas coisas!»
Conclusão: o meu colega levou a coisa para o escárnio religioso e o sô Veríssimo para um campo (eventualmente) dramático da sexualidade. E depois elas (eu) é que são perversas...
É Junho
Lisboa está em festa. As festas são mais que muitas mas findam não tarda nada. Vai ser na alameda, andam a montar tudo para a grande despedida.Convidaram-me para ir lá cantar paródias e dizer umas larachas mas recusei gentilmente, tenho mais que fazer...
As festas dos santos populares não sofrem o mesmo desdém que outras festas religiosas, o que admiro deveras. Do Natal toda a gente desdenha, toda a gente quer que passe muito rápido para não sofrer as duras hipócrisias que a época natalícia traz ao cimo. É admirável, deveras admirável.
As marteladas da minha vida
Faz parte do meu ofício martelar vigorosamente num punção:
Pum!
Grande estrondo.
Enormes cagaços, de quando em vez.
Por tal verificar é meu costume colocar as crianças e os cães no mesmo patamar por serem os grupos mais sensíveis. A cantilena é basicamente a mesma:
«Olhe, eu agora vou aqui dar uma martelada, veja lá se o cão, bebé, criança se assusta...»
Coisas da vida, pode chamar-se assim
Sabem aquela pessoa que nós fixamos por uma razão completamente desinteressante, mas mesmo não lhes vendo o mais ténue interesse, nos fartamos de bater com o olhar nela?
E acontece que por mais que façamos o nosso olhar sempre lá vai parar?
E depois vamos dar uma volta por ali, pode até ser longa e tal e voltamos a encontrar a pessoa?
Para onde quer que nos viremos, a pessoa está lá, mesmo absorta parece observar-nos, sabem como é?
Eis senão quando... invade-nos uma sensação desconfortável: mas esta maria persegue-me, ou quê?
Ah, pois é...
À despedida
«Eu já a vi muitas vezes. Agora é que eu estou a ver que já a vi muitas vezes.»
Hum, está bem. Afinal conhece-me, o bicho.
Publicamente
Uma moça de patins lavava as mãos no WC. Sorriu-me francamente. Achei tão invulgar que custei a retribuir. Depois fiquei a pensar se o grande sorriso não se deveria ao meu algo arrojado ar de espanto quando verifiquei que ela tinha um par de patins em linha calçados e se encostava graciosamente à bancada do lavatório.
Repito, agora em síntese: eu vi uma moça de patins em linha dentro de um WC público que me sorriu sem qualquer acanhamento quando lhe observei os pés sem pudor.
Duas ou três posições
Tenho um fornecedor que fala comigo da seguinte maneira:
Da última vez pediu-me três posições mas eu só trouxe (leia-se fiz, que é para isto ter graça) duas.
Hum, então vá... posicione-se, amiguxo.
Adenda
«Eu tenho pontaria com os pés», diz o rico filho. E tem, mete a bola onde quer: no espelho retrovisor de uma carrinha Hiace, no pequeno vidro de uma porta de rua, no cantinho da baliza. E talvez noutros sítios que desconheço...
Ombro... arma!
– André, a mãe tem uma 'cena de gajo'. Tenho pontaria.
Anunciei eu ao rico filho. Ele pousa em mim aquele olhar enorme e luzente (fantástico, portanto) e responde, muito sério:
– Eu tenho com os pés.
Descobri que tenho pontaria. Queria-a inata mas não sei se é.
O leitor, querendo conhecer o desenvolvimento deste tópico, leia abaixo, fazendo favor.
Quando eu era miúda o meu pai tinha uma pressão de ar. Não sei para que a queria, provavelmente queria-la para matar passarinhos ali pelo campo, ou então para pura diversão. Claro que eu e o meu irmão, quando tivemos idade, usámo-la para fazer pontaria às mais diversas coisas. Eu, sendo muito mais nova que ele, não 'brinquei' muito, nem sequer me lembro se tinha pontaria ou não, apenas tenho presente na memória a minha dificuldade em questões de alvo.
O meu olho vector é o esquerdo, ao contrário da maioria das pessoas pisco o olho direito, e só consigo apontar apoiando a 'arma' no ombro esquerdo e colocando a mão esquerda no gatilho. Ora acontece que as minhas mãos não têm nada de esquerdino, com a 'arma' a jeito, pronta a disparar, sinto-me como que coxa, cambaleante, o que me aborreceu desde que peguei pela primeira vez na pressão de ar do meu pai com o intuito de dar uma chumbada e rapidamente me fez desistir destas lides.
Há bem pouco tempo tive oportunidade de 'brincar' novamente com tiros e afins. Esqueci o mau jeito e os desajustes e... bum! E não é que em três disparos acertei em cheio em dois?! Eh pá, ficou tudo maluco com a minha prestação...
Tenho aquela empolgação do alvo, sei que tenho, não sei se é uma 'cena de gajo' mas isso pouco importa, afinal de contas tenho os genes de um homem, o meu pai.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Sem isto e aquilo
Lisboa, 27 de Junho de 2011 |
Acho que sim
Acho mesmo
Não tenho assunto
As coisas acontecem
E não as sei escrever
Pululam
E eu sem norte
Às vezes acontece
Calha assim
Estou farta do meu pensar
Tenho de criar umas certas saudades
O dia chegará
Não me calarei
Não vou conseguir calar-me
Não quero conseguir
O escrever dá jeito
Sempre desperto
Sei como é
Tomara já esse despertar
domingo, 26 de junho de 2011
O Verão
Ah pois, chegou o Verão. Está uma calor que não se pode. Os dias são enormes. A fresquidão agora é boa. Tenho uma nova imagem no cabeçalho alusiva ao que tem sido o meu Verão até agora. Bom seria deixá-la aqui também para mais tarde a recordar.
Poema
Falava-se de loucura, personalidades intensas e genialidade. Lê a 'Tabacaria' de Fernando Pessoa, disse ele. Assim fiz. E fiz mais...
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
Fonte: Poemas de Pessoa
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
Fonte: Poemas de Pessoa
Cheguei das férias!
Ao princípio não me parecia nada estar de férias... estas férias não estavam no programa, foram completamente inesperdadas. Mas foi bom, claro que sim. Houve riso, conversa, sardinhas, sangria e outras coisas. Descanso, por exemplo. E andei de bicicleta, eu que não me sentava num selim há alguns anos. Andar de bicicleta é daquelas coisas que nunca esquecemos...
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Vou ali e já cá venho
Loulé, 6 de Junho de 2011 |
Tenho andado com enorme dificuldade em encontrar as palavras adequadas para escrever. Estou certa que não se nota nada, porém. Sou mesmo boa a esconder as coisas...
E agora, a propósito de nada, deixo a notícia: vou passear, conversar e comer sardinhas assadas ali para os lados dos templários. Se lá encontrar um desses espécimes faço-lhe umas perguntinhas, que é coisa que nunca me aborrece. Até um dia desses.
A escrita desengraçada é fácil de criar
À porta: «Bom-dia, minha senhora, diga-me só: esta rua tem parquímetro?»
Na bicha: «'Pera aí, anda cá. Ficamos aqui ao pé desta senhora.»
Na esteticista: «Morda o lábio assim, senhora Gina.»
Ao balcão: «Ó dona, quanto é a megafina?»
A senhora, a senhora Gina e a dona... sou eu. Vejo nisto um tiquinho de interesse, um pequenino vislumbre, um realcezinho de graciosidade, uma centelha fugaz. O que mais não é do que egocentrismo. Daquele puro.
Hora local - 21:10
Ai!
Mordi uma ameixa dura. Não, não é erro de digitação, eu queria mesmo escrever dura, não madura, e vai já perceber-se: desloquei o maxilar.
De bengala
Uma senhora, não se contentando com o 'olá, está boa?' habitual, parou abruptamente, apoiando-se menos mal na bengala. Queria saber da minha família, se estava tudo bem. Achei curioso que uma mulher titubeante em cima de uma bengala se mostrasse tão interessada – e um nadinha duvidosa - na minha saúde familiar, quando metade da malta cá de casa é composta por juventude cheia de saúde e vigor e a outra metade encontra-se apta a cem por cento. Muito diferente da dita, portanto.
Ou então era só simpatia, eu é que tenho a mania de pensar...
segunda-feira, 20 de junho de 2011
A mística do desconforto
O sal do mar a picar na pele.
O espremer borbulhas.
O calafrio interno quando estou triste.
A inquietação após o exercício.
A dor de cabeça ao adormecer.
A mística do desconforto... Fui eu que inventei. Aplausos, vá.
Naturalmente
…
Sou demasiado sensível ao que retiro das intensas observações que faço. É uma pena. Apuro a escória. Se apuro apenas ruindade, deprimo. Sofro desnecessária e desmesuradamente. Que aborrecido.
Nano
A cliente era anã e queria ver o que estava exposto nas minhas costas. Pude verificar que lhe tapava enormemente a visibilidade. Credo, senti-me uma torre mesmo muito alta.
Surpresa
Cheguei do almoço e tinha um bom bocado de abóbora à minha espera. Alguém a oferecera.
- Ó Gina, essa abóbora é para ti.
- Ah, obrigada.
...
Estou com dificuldade em tornar este acontecimento interessante.
...
...
Desisto. Amanhã, quiçá?
domingo, 19 de junho de 2011
741
Bang!
Ontem ouvi na TV que a Cláudia Jacques é a quarentona mais bonita de Portugal.
Fui destronada. Bolas...
Fui destronada. Bolas...
Os bolinhos
Fiz ovinhos de bolacha. Muitos, um prato cheio.
Rica filha: - Quem é que vem cá, mãe?
Rico filho: - Vem cá alguém, mãe?
Oh vida, até parece que eu só faço coisas doces quando vem cá alguém...
Rica filha: - Quem é que vem cá, mãe?
Rico filho: - Vem cá alguém, mãe?
Oh vida, até parece que eu só faço coisas doces quando vem cá alguém...
Olás
Olá, mundo. Olá, pessoas. Estou online em três frentes: Messenger, Fuçasbuque e Blogspot. Querendo dizer alguma coisinha já sabem.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
…
Sinto-me um bocado febril nos pensamentos. Andam à roda da minha cabeça, fica tudo difuso e insignificante. Não é que já esteja curada (ver post anterior) mas é que hoje é-me muito necessário escrever. Pode ser qualquer coisa, o que interessa é, sobretudo, escrever. Vou escrever da praia e de livros.
As coisas que se podem ver debaixo do meu braço estando eu deitada na areia. Dois nadadores-salvadores comentando um banhista afoito demais, uma senhora loura de caracóis definidos (tão lindos!) espalhando protector solar no rosto, as perninhas finas de uma menina agitada com o estar na praia.
Há pessoas que se acalmam olhando para o mar. Eu não. Compreendo-lhe a imensidão, a força, conheço-o muito maior que eu e a minha exitência, mas o mar a mim não me acalma. Sinto-lhe o poder e é só.
«Um dia, num encontro com um escritor, uma mulher que fez da sua própria vida e dos seus próximos objecto de escrita: 'Tenho a sensação de cavar, de estar a enfiar-me num poço.' Espanto da minha parte. Nesse tempo a escrita para mim não era um poço, pelo contrário, era o espaço, percorrer, explorar... In 'Frases curtas, minha querida' de Pierrette Fleutiaux (página 54)»
Há pessoas que se acalmam olhando para o mar. Eu não. Compreendo-lhe a imensidão, a força, conheço-o muito maior que eu e a minha exitência, mas o mar a mim não me acalma. Sinto-lhe o poder e é só.
«Um dia, num encontro com um escritor, uma mulher que fez da sua própria vida e dos seus próximos objecto de escrita: 'Tenho a sensação de cavar, de estar a enfiar-me num poço.' Espanto da minha parte. Nesse tempo a escrita para mim não era um poço, pelo contrário, era o espaço, percorrer, explorar... In 'Frases curtas, minha querida' de Pierrette Fleutiaux (página 54)»
Momentos
Momento alto:
Ouvir uma cliente chamar 'raro' ao 'ralo'
Momento vertiginoso:
Deixei cair sumo de laranja em cima dos sifões de lava-louça que estavam destinados ao sô Veríssimo. Pus-me imaginar o sô Veríssimo de cócoras, a cabeça enfiada no armário, onde normalmente impera um cheiro nauseabundo, invadindo-lhe as narinas um aroma cítrico. Hum... E lembra-se de mim, aquela jovial pessoazinha que lhe pergunta a brincar: ‚Então não quer mais nada? Ainda não é hoje que me leva a loja toda?‘
(Ainda) O regresso
Eu a pensar que o senhor Albano me ia segredar o quanto notou a minha ausência e que a mulher da fruta ia gabar o meu bronzeado e afinal... A mulher da fruta nada, fez as pesagens e tratou do troco enquanto falava ao telemóvel, o senhor Albano nem água vai ou fica, limitou-se a contar a mesma gracinha de sempre:
- São noventa e cinco cêntimos... (pausa) Se quiser pagar... (longa pausa), aqui só paga quem quiser levar o pão (grande convicção).
Ora, nem de propósito...
Agora está em combinação. Ganhei a segunda volta. Vestiu uma quase nova, a ante-penúltima na pilha de roupa de baixo arrumada com perfeição no armário. Por baixo de tudo, as já remendadas, depois as simplesmanete já usadas, no fim a última, novinha, nunca vestida, a que ela reserva «para ir para o hospital».
Esta muda frequentemente de lugar. Às vezes está no alto da pilha, outras à parte no armário, outras ainda numa mala pequena. Não, engano-me. Na mala do pequena é a camisa de noite para o enterro.
Olho para a minha mãe em combinação.
Uma combinação é uma espécie de forro de vestido, em malha de nylon, sem gola, sem mangas, justa ao corpo, e só um nadinha mais curta do que o próprio vestido. «Vocês, os jovens de hoje, já não usam isto.» É uma peça que faz a transição entre a intimidade do corpo e a fachada que é o vestido. Tem a mesma função que as cortinas de musselina das janelas, por baixo dos cortinados, mais espessos. Também impede que a forma das pernas seja adivinhada, não as deixando ver em contra-luz. Evoca, em suma, uma época em que se desconfiava do corpo, o corpo suja, a combinçãolavável protege o vestido, que não se lava.
In 'Frases curtas, minha querida' de Pierrette Fleutiaux
Esta muda frequentemente de lugar. Às vezes está no alto da pilha, outras à parte no armário, outras ainda numa mala pequena. Não, engano-me. Na mala do pequena é a camisa de noite para o enterro.
Olho para a minha mãe em combinação.
Uma combinação é uma espécie de forro de vestido, em malha de nylon, sem gola, sem mangas, justa ao corpo, e só um nadinha mais curta do que o próprio vestido. «Vocês, os jovens de hoje, já não usam isto.» É uma peça que faz a transição entre a intimidade do corpo e a fachada que é o vestido. Tem a mesma função que as cortinas de musselina das janelas, por baixo dos cortinados, mais espessos. Também impede que a forma das pernas seja adivinhada, não as deixando ver em contra-luz. Evoca, em suma, uma época em que se desconfiava do corpo, o corpo suja, a combinçãolavável protege o vestido, que não se lava.
In 'Frases curtas, minha querida' de Pierrette Fleutiaux
(página 82/83)
Lavar, lavar, lavar
O homem do teatro comprou uma barra de sabão azul e branco. Os actores vão lavar os pés? Os sovacos? As miudezas?
Credo, as coisas com que eu tenho de me preocupar...
Que tal?!
Qual mediana, qual carapuça! Mediana, eu?! Ná... Eu sou é uma extremista, isso sim! Noutro dia ia lá do outro lado da rua uma artista plástica de renome, bem conhecida na nossa praça, parou de repente achando que eu era sua conhecida, vai daí reconheceu-me e acenou-me com muita vontade.
Que tal?! Uma artista bem conhecida aqui da je, ah pois!
quarta-feira, 15 de junho de 2011
A invejada
Saio deste dia cansada de lutar contra um certo sentimento de maldição ao longo do dia. Agora tenho a sensação que sou um bicho peçonhento – fui de férias.
O blogue
Sonhei com o Clóvis. Sonhei que o Clóvis havia lido o meu blogue. Que giro. Eu sonhei que o Clóvis leu o meu blogue, quando tal é impossível. Se ele soubesse apenas o nome do meu blogue reagiria assim, tenho a certeza. O Clóvis não sabe que é como eu o descrevo, o Clóvis é um homem que não se conhece a si mesmo.
Disse-me 'escreves de uma maneira agradável, às vezes parece simples o que vais dizer, mas no final conseguiste surpreender-me'.
Não fugiu ao que a maioria das pessoas comenta acerca do que escrevo no blogue. Não fugiu do que a maioria das pessoas pensa acerca de mim na vida real, a minha inteligência costuma ser surpreendente porque ninguém espera que uma pessoa caladinha seja inteligente. Um sonho cheio de realidades a que estou acostumada. É natural, foi a minha cabeça que o produziu.
A expressão dele era um misto de reverência e deslumbramento, o que é anti-natura, o Clóvis não reverencia nem se deslumbra com ninguém. Aqui, um sonho cheio de secretos desejos. É natural, foi a minha cabeça que o criou.
O trabalho que dá
Nas férias houve trabalho. Para começar ouvi a descrição exaustiva dum dia de trabalho duma empregada que se encarrega de deixar o chão da Quinta do Lago livre de lixarada. Fiquei a conhecer passo-a-passo a lida da dita moça. Agora já só me lembro do precioso que é colocar uma pedra no saco do lixo para este não voar mas que é preciso andar muito atenta porque quando o saco tem lixo já não voa com o vento dispensando assim a pedra. Jantei com ela. Com ela e outras pessoas. Comemos amejoas gigantes e sapateira. Ela, não. Ela pediu bitoque, até parece que é de Lisboa!
Depois é que houve trabalho a sério. É o que dá ir de férias com o meu colega...
– 'Tou sim, sô arquitecto, como está?
O meu colega, solícito, havia dito ao senhor que íamos para aqueles lados e que se ele assim entendesse, telefonasse que a gente ia lá. Trabalhar. Nas férias. Bah! Enfim...
O sô arquitecto, vendo a minha indumentária veraneante, desfez-se em desculpas. Minha senhora, desculpe interromper-lhe as férias. Minha senhora, se quiser dê uma vista de olhos pela casa. Minha senhora, já viu o jardim? Minha senhora, suba lá acima, vá ver. E eu fui, nos intervalos de passar uma bucha e um parafuso ao colega empoleirado no escadote, curiosíssima como sempre, ia cuscando a casa do sô arquitecto. Fui eu que a projectei há trinta e tal anos, dizia ele. A minha mulher diz que quer morrer a ver um pedaço de relva verde do quarto... Mas a relva está seca!, queixou-se. O meu colega ainda andou lá de volta do sistema de rega mas não obteve sucesso.
Fiquei um pouquinho aturdida com a vida particular do sô arquitecto, em chegando uma certa altura na vida é quase certo os momentos serem na maioria tristes por se estar assustadoramente próximo da morte. Eu ainda não escolhi o meu lugar ideal para morrer, sou jovem demais para isso.
A falta que fazia
Há um buraco no chão da Avenida Guerra Junqueiro (Lisboa) do lado direito de quem sobe mais ou menos a meio. O leitor tome atenção, caso pase por lá.
Uma mulher grunhe pedindo esmola. É mais ou menos isto:
…
Hum, é impossível escrever. Eu nem sei grunhir como ela quanto mais escrever os grunhidos!
Memórias
Vêm-me à memória muitas pequeninas histórias da minha infância. Acontecem quando ando mais pensativa e/ou sem cenas de balcão capazes de fazer sorrir alguém que as leia.
A Maria Vitória era aquela que havia estudado mais e sabia falar. Uma vez avariou-se-lhe o aspirador, dizia o homem que o aspirador tinha aspirado água. Qual quê?! Expedita, desembaraçou-se. Ninguém lhe comia as papas na cabeça, ela estudou, sabia falar, não era uma alentejana qualquer.
A Maria Josefa nunca conheceu homem... É a minha madrinha de registo. Estava lá na cédula que eu bem me lembro de ler. Dava-me umas prendas 'muita boas', era o que a minha mãe dizia. Eram boas mas poucas. Só me lembro de uma combinação, naquele tempo usava-se, num tecido meio transparente, amarela com folhinhos na base. Nunca me serviu.
A Ana Maria levava 'porradas nos cornos' do marido. Era o que a minha mãe dizia. Acho que se divorciou. Veio para Lisboa e usava mini-saia. Era muito bonita, as 'porradas nos cornos' adviriam daí, ciúmes doentios, presumo. Tinha uma filha com menos meio ano que eu. Amélia, o nome. Era gira e esbelta, interessante e comunicativa, contrastando grandemente com a minha jovem pessoa. A minha personalidade tímida e escondida sempre me fez parecer medíocre. Uma vez puseram-nos a fazer contas, vá-se lá saber porquê. Eu errei, ela acertou, vá-se lá saber porquê... Nunca fui burra em contas na primária mas aquele resultado não me livrou do rótulo.
A Maria Paula era a mãe das três marias. Uma velhinha sempre de preto – fazia-me lembrar a minha avó paterna - com poucos dentes - fazia-me lembrar a minha avó materna - e de sotaque alentejano bem carregado – fazia-me lembrar Albernoa. Elogiava a neta quase incessantemente, e hoje há-de estar tão quarentona como eu. Maria Paula... Sempre achei curioso este nome numa alentejana daquela geração.
Não estou a contar a coisa bem: Mari-Vitória, Mari-Zefa, Anazinha, Nelinha, Mari-Pála. Assim é que é.
Espólio
Setecentas e quarenta e uma fotografias.
Duzentas eliminadas, para aí.
Mil quinhentos e não sei quantos quilómetros percorridos de carro.
Quilometragem percorrida a pé compeltamente impossível de contabilizar, o que lamento.
Dezoito locais visitados.
Vinte cinco cêntimos achados no chão.
Zero percalços.
Duzentas eliminadas, para aí.
Mil quinhentos e não sei quantos quilómetros percorridos de carro.
Quilometragem percorrida a pé compeltamente impossível de contabilizar, o que lamento.
Dezoito locais visitados.
Vinte cinco cêntimos achados no chão.
Zero percalços.
terça-feira, 14 de junho de 2011
Ao trabalho!
Amanhã vou trabalhar. Em português mesmo a sério seria: amanhã irei trabalhar. Em português mesmo a sério e eu sendo religiosa seria: amanhã irei trabalhar, se Deus quiser. Oh, amanhã vou trabalhar e pronto!
Eu, que não sou uma empregada de balcão normal, amanhã terei a passadeira vermelha querendo dizer que sou bem-vinda. Pisá-la-ei com grande pesar por se me terem acabado as férias. Acho que haverá mais férias num futuro próximo. Digo 'acho' duvidando um pouco. Porquê?! Porque não sou empregada de um balcão qualquer dessas aí, ora!
O descanso
Normalmente nao nas férias leio muito e escrevo até dizer chega. Desta vez não foi assim, acho que houve mais passeio. Substitui as fechaduras 720 e o ajax limpa-vidros por estradas e praias a perder de vista. Ini
Inicialmente tinha pensado transcrever tudo o que havia escrito aqui, tal e qual, com as razuras e os erros próprios de quem escreve ao ritmo do pensamento.
As férias, enquanto passeio, foram mesmo boas, vi tantas coisas, e todas tão lindas, ... E estive quase sempre bem das minhas coisas parvas.
Agora, sinto-me a regressar aos poucos, já com saudades da pessoa que deixei aqui, aquela que não consegui cone convencer a ir comigo, aquela que sabe escrever.
Dantes, quando ficava sozinha em casa, como agora, ia escrever. A escrita sempre foi uma grande companhia. Hoje, ma uma grande parte do medo abalou, foi embora. Não tenho medo, não vou escrever só porque tenho medo.
Vou é fazer um bolo, é isso. Sempre me adoça as vontades.
As férias
Os lugares das férias,
eu com a máquina na mão,
as imagens nos meus olhos
e a minha vontade de criar harmonia.
Alcácer do Sal |
Albernoa |
Vilamoura |
Loulé |
Portimão |
Praia da Rocha |
Raposeira |
Cabo de Sagres |
Cabo de São Vicente |
Forte do Beliche |
Silves |
Praia da Falésia (Vilamoura) |
Olhos d' Água |
Grande descoberta algures no meio do mato |
Fonte Benémola (a caminho) |
Olhos d' Água (de novo e em trabalho, é o que dá ir de férias com o meu colega) |
Pego do Inferno |
Praia Verde |
Portugal cá, Espanha lá (separados pelo Rio Guadiana e unidos pela ponte...?) |
Villanueva de los Castillejos |
Espanha cá, Portugal lá (unidos por uma ponte inacabada e separados pelo Rio...?) |
Arrabaldes de Baleizão |
Ponte Vasco da Gama |
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