quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Uma especialidade

«… do que gosto é de escrever, e quando termino é como quando nos deixamos resvalar para o lado depois do prazer, o sono vem e, no outro dia, já há outras coisas que nos batem à janela; escrever é isso, abrir-lhes os postigos e que entrem...

Julio Cortázar in A Oficina dos Escritores, Francis Amalfi

Houve tempo em que me achava aquém na escrita, na forma de escrever, desconhecia que para escrever é somente preciso ter algo a dizer, mais nada.
Houve tempo em que receava chegar ao fim, esgotar os temas, se me deixasse enredar pelas malhas da vergonha e abolisse assuntos, então mais rápido seria. Um horror. Nada disso, a vida transforma-se a cada segundo, sendo por isso possível recontá-la infinitamente. E sempre dum modo diferente.
Houve tempo em que me achei especial, podia esperar que me chegasse a tal da inspiração. Só precisava 'descansar', 'viver', 'observar' sem o intuito subliminar de escrever.

Hoje não me acho aquém, finita ou especial. Sou eu. Só isso é tudo.

O sorriso

As pessoas ficam bonitas quando sorriem. Pouco importa se o sorriso é falso, quanto mais vivo mas se aviva a ideia de que é a falsidade que nos comanda.
As pessoas ficam bonitas quando sorriem, retorno. Com um bebé ao colo é muito fácil. O que há em nós de mais puro e belo aflora se carregarmos um desses seres minúsculos. Se lhes tocarmos rejuvenescemos um pouco. É bom passar o dedo indicador no antebraço – antebracinho, ah pois – do bebé. Hum, é tão fofinha, a pele. Contagia.
O toque é sempre importante, agora me lembro. Não me venham dizer que fantasiar é fixe, agora não.

Viver & Escrever

Sou admiradora profunda do que é real. Não sei escrever o idealizado; imaginado; inventado. Atrapalho-me toda, nada fica claro para mim. Posso escrever suposições mas rara e dificilmente escrevo invenções.
Para alguns (leitores), os meus textos poderão revelar sentimentos ou situações que devia guardar para mim, ou acharão que me exponho em demasia. Concordo.
Se eu criar personagens, eles – e principalmente elas – serão à semelhança do que eu queria – quero - ser e as situações aproximar-se-ão do que eu queria – quero - viver. É mais revelador contar histórias que não viva ou testemunhe, pois desmascararia num ápice os desejos mais íntimos e impróprios. Seria avassalador.

Linguagem canina

Passa na rua a senhora da cadela Bela. Sei que é Bela porque a senhora em questão passa a vida a chamar e a ralhar com ela, a cadela.
Bela, quieta!
Bela, para aqui!
Bela, senta!
Enquanto isso escolhe a melhor cera para a empregada passar no chão da sala, que está tão feio.
Noutro dia vendi-lhe umas coisas, outras coisas que não cera, e depois enganei-me na conta. Só dei conta (?!) quando ela, que não a cadela, havia saído para a rua e já ia longe. A próxima vez que a vir devo pedir-lhe que me dissolva o défice em biscoitos para cão? Perdão, para cadela?

A madrinha

Vai ali aquela que eu acho que é a madrinha da outra. Não têm nada a ver uma com a outra, claro. Só que eu acho que são iguais, muito embora saiba que não são a mesma. Mas não o são, claro. Aquela que vai ali e a madrinha, quero eu dizer. E acho aquela que vai ali tem cara de madrinha da outra porque esta, quando vinha aqui, fazia-se acompanhar da madrinha que é parecida com aquela que vai ali e que também está metida nesta história. É daí que vem a falsa ideia. Mas a madrinha e a afilhada, as propriamente ditas, ou o raio que parta isto e o caraças mais a história confusa que estou a escrever... Nada têm a ver com aquela que vai ali.

De nível

Um senhor subia a alameda. Um senhor muito, muito alto. Uma senhora muito, muito baixa descia a alameda.
A dada altura, é disso mesmo que se trata: altura, ficaram ao mesmo nível, à mesma altura.
Um retrato da vida, este. Altos. Baixos. Caminhos opostos. Iguais. À mesma altura. Ao mesmo nível. Embora diferentes.

Se calhar não...

Talvez não seja por acaso que os vocábulos 'aparecida' e 'apreciada' são grafados com as mesmíssimas letras.

Não serás apreciada se não te fizeres aparecida...

A leitora

Ler no lugar da musa é altamente revelador, ou prenúncio de vida - vejo pessoas passeando nos botões do meu casaco.

Incrível...

Não há vontade de escrever se estou cansada de fingir que sou boa pessoa. Ausenta-se, essa vontade. Ao invés de ficar mais leve por existirem menos milhentas coisinhas cá dentro em ebulição, prestes a explodir... Pois não senhores! Há uma carga adicional, incrivelmente. Não escrever pesa-me.

Aromas da Natureza

Estou particularmente sensível aos cheiros. (Algo me diz que me afaste do ego...)

Ela tem uma sensibilidade incrível aos cheiros e aromas.
O cheiro adocicado daquela cliente velhinha que tem uma quinta no Pinhal Novo provoca-lhe náuseas.
O cheiro acre - que entende como grosso e fatalmente percetível – da mulher da caixa do banco revira-lhe o estômago e é a custo que se sustém na fila.
O cheiro a colas e sintéticos que emana da esquina mais próxima onde trabalha um sapateiro, tem como consequência o ato de levar as mãos à boca e ao nariz, a ver se aquilo passa.
O cheiro do casaco de cima do senhor Adeodato é insuportável. A custo se mantém próxima do dito senhor. Fala sem respirar. Afasta-se subtilmente para não feri-lo, que é sempre tão amavelmente… rude.

Voltando ao ego... Sempre que aprofundo as tristezas tenho esta hipersensibilidade, acontece-me há uns tempos.

Se escrever passa.
Passa?
Passa.

29 de fevereiro*

É a segunda vez que este dia existe desde que tenho o blogue. Como não sei o que escrever, e porque me apetece escrever – estranhamente – fui cuscar o que escrevi no outro destes dias. Diz assim:

29 de Fevereiro de 2008

O tempo passa veloz. Nasci num ano bissexto e este é o meu décimo ano bissexto, logo... tenho __?__ anos.
Para abrilhantar e clarear este dia mais raro que os outros, ouvi um saboroso elogio de um cliente habitual*: - "Que Deus a conserve com saúde! Que linda senhora!"
Quando eu tinha menos uns quantos anos bissextos - para aí metade dos que tenho agora - ninguém me dizia coisas destas. Será que agora sou mais bonita do que fui na juventude?

* o asterisco quer dizer que o elogio foi dito com o maior respeito por alguém que já conheço há alguns anos, para além de que, acho que vou estar para aí uns dois dias sem odiar a minha profissão porque, eu não sou mais bonita do que era na juventude, o que acontece é que, se eu não lidasse de uma forma tão directa com tantas pessoas tão diversas na sua maneira de comunicar, não ouviria agradabilidades destas...

*Post programado

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cliques

Tenho uma enorme predisposição para cliques sempre que as palavras escritas me faltam.

Ontem foi dia de cliques. (Ver abaixo)





Hoje foi dia de cliques. (Ver abaixo.)







segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Intuição

A rica filha olhou-me num misto de incredulidade e deslumbramento:

– Como é que tu sabes isso, mãe?

Eu havia-lhe dado uma resposta certeira, acertara num sentimento, num estado de alma, desmontado-o e expondo-o sem rodeios. Quando respondi, fi-lo da mesma forma:

– Sei porque sou muito boa observadora, e é sem modéstia que o digo, e, principalmente, porque sou tua mãe.

Está partido

O rico filho partiu a tostadeira. A sandes era grossa demais, ele forçou e partiu uma peça do interior. Eu bem vi em cima do balcão a fita-cola e a tesoura...
Não seria a melhor ideia, não. Ainda bem que não concluiu os intentos, quando não faria como aquela pessoa que não quis retirar a película da nova torradeira e a ligou à tomada...

Pica

– Então, a comida está boa? Não está muito picante, pois não?
Pergunta o pai, meio ansioso.

– Não, está como tem que estar.
Responde o rico filho, esse homem ainda em projeto.

Beleza

Entrámos os três no elevador: pai, eu e rica filha. A rica filha dispõe-se a mirar o rosto no espelho enorme. E comenta:
– Sou mesmo linda. Vocês conseguiram!

Que não se pense que a rapariga falou com sarcasmo, não senhores. Ela sabe que é bonita.

Corrida

De manhãzinha já o rico filho não estava em casa. Recadinho em cima do balcão:

«Fui correr. Não se esqueçam de me deixar dinheiro para o almoço.»

Poejos

Loures, 25 de fevereiro de 2012

– Porque é que a salada me cheira a avó, mãe?
– Porque tem poejos no tempero e o quintal da avó tem esse cheiro.


Vidas

A vida real é de tal forma aborrecida e triste que afundo em mágoas e pesares involuntariamente, sugada por uma força misteriosa que a custo combato.
Corro até onde possa ver as pernas do meu filho, estendidas em cima da cama, calmo e sereno, vê televisão, tem o comando na mão e vejo-lhe partes do rosto familiar. Mas falta-me um... Apuro o ouvido, a minha filha canta ao som duma música qualquer, ouço-a, a voz é melodiosa e emocional, ouço-a, é quanto baste.

Não estou sozinha. Sem que o saibam, os meus filhos salvam-me da perdição.

Na vida virtual faço algo parecido. Vou buscar os meus filhos para esquecer o que sou. Vou escrever deles, faço-os e construo-os aqui, em modo escrito, esse modo que tanto me atrai.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Declarações dum domingo

Loures, 26 de fevereiro de 2012

Ela quis experimentar um bolo de melaço de cana e chocolate. Canela também. A experiência não foi nada boa, ia dando cabo da batedeira elétrica. A não repetir, melhor será, pensou.

Ela quis experimentar pôr sementes de cardamomo na mousse de chocolate. A repetir. Os miúdos gostaram. Ouviram-se 'huns' de satisfação conforme iam saboreando o doce, agora refinado com as sementes minúsculas e de sabor 'mentolado'. É bem verdade que 'mentóis' e chocolate se dão muito bem.

Ela considerou estar tão bestificada como supunha, em certa altura do dia. Nem queria acreditar... É verdade, verdadinha.

Ela tirou fotos à fruta, aos tomates, às especiarias, ao relógio e ao cato. Para se distrair do infortúnio, que ser uma besta cansa que se farta.

Ela hoje quis escrever na terceira pessoa do singular. Uma voz sussurrou-lhe: «Afasta-te do ego! Afasta-te do ego! Não é bom agoiro tanto ajuntamento!»
A ver se o disco vira, se toca o lado B, pensou ela. ...

Ela grafou umas coisas. Ela rabiscou contrariada. Ela publicou insatisfeita.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Hoje é sábado






Não estou doente. Afinal não passou de um achaque da treta.

A primavera ainda não chegou mas o sol acha que sim. Vede fotos acima, por favor. Foram todas captadas hoje, em Loures, no Parque da Cidade.
Não é primavera, não, mas pessoas parecem concordar com essa ideia de que a estação-explosão-de-vida já nos contempla com as suas cores e calores. Mas olhem que não... São ainda laivos da dita.

Como ando sempre de cornos... ai perdão, de olhos no chão achei um anel de prata. É uma cobra com olhos verdes. A bem da verdade já perdeu um. Não vou usá-lo, não faz nada o meu estilo. Cobras, não.

Fui à feira de Loures. Achei curioso haver uma banca de livros. A dois euros cada. Barata, a feira. Comprei um: 'A Oficina dos Escritores' de Francis Amalif. Aprecio o tema, é uma compilação de frases e aforismos de 125 escritores célebres, contemporâneos, ou então não, e no fim tem mais de uma centena de ideias para desenvolver escrevendo. Curti algumas, desejei explaná-las. Não sei se assim farei, no entanto. Não me dou nada bem com 'ordens' por via doutrem.
Fica aqui uma curiosidade do escritor... Italo Calvino. Incrível, não? Mas este homem persegue-me?!
Vamos lá à curiosidade, então:

«A arte de escrever histórias consiste em conseguir retirar do pouco que se compreendeu da vida tudo o resto; porém, acabada a página, a vida renova-se e damo-nos conta de que o que sabíamos era muito pouco.»

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Droga

Tenho de levar a cabo uma tarefa enervante. Melhor será tomar um calmantezinho. É assim que lido com tudo o que faço. Antes de mais, engulo a droga.
Quem ainda não sabe, fique agora a saber: eu levo tudo ao exagero, invento e transformo. Há pouco, por exemplo, vi uma jovem andando e passando batom de cieiro nos lábios. Achei sensual e formulei um texto na minha cabeça. Enquanto isso, uma idosa passou por mim fazendo os mesmos gestos. Fiquei a magicar noutro texto – andaria ali assim alguém distribuindo amostras de batom?!
Agora não sou capaz de reformular os textos que imaginei. A rica filha já me disse que aprendeu no curso da faculdade que o pensamento é abstrato. Deve ser isso. Eu não quero acreditar, porque eu penso e escrevo, penso e escrevo. Mas deve ser isso mesmo.

Não obstante o item anterior, noutro dia disseram-me que sou boa a dizer o que me passa pela cabeça. Perguntei se era um elogio e a pessoa assentiu. Concordo com essa ideia, sei que não tenho grandes reservas em dizer o que me apetece. Isto porque a maioria das pessoas que se dão comigo nem sequer me ouvem. Então eu posso dizer tudo, certo? Se nem sequer se dão ao trabalho de pedir explicações... Se fogem de mim, literalmente... Eu posso extravasar. É um privilégio, posso entender assim.
Mas agradou-me profundamente, o dito elogio. Afinal é mesmo verdade... Não é só de imaginação que este blogue trata, não. O blogue sou eu. Eu falo e escrevo. É igual.

Há quem se sinta sozinho
nas convicções
e nas razões

Eu estou sozinha
nas afirmações
e nas questões

A minha droga são os escritos que deixo no blogue. Pronto, já tomei o calmantezinho. É a única forma de não sucumbir à loucura, ou é, antes, das formas que estão ao meu alcance, a que mais me apraz.

Suportados em papel

Documentos, registos, fotos, livros, suportados pelo papel poderão não ser amigos do ambiente, mas são-no das pessoas, seguramente. É assim com tudo o que seja palpável, o toque é algo extraordinário e espero que não seja eliminado para todo o sempre.

Precisamente

Se uma máquina calculadora se chama 'Precisa', parece-me bem. Uma máquina - essa máquina – não fazer contas de somar e subtrair é que me parece muito mal.

Canal

Estou a pensar vivamente em criar um canal no (na?) meo. Caso seja preciso nome, é melhor que seja simplesmente 'O Canal da Gina'.
De há uns tempos para cá gosto de pôr o meu nome em tudo, assinar por baixo, fazer-me aparecer. Com nome. E tudo quanto seja nominal é bom para dar nas vistas, tudo aquilo que tem presença forte ou personalidade sui generis tem um nome. Mas 'O Canal da Gina'... Seria sugestivo pela negativa, quiçá.
Não haveria problema nenhum com a negatividade que desse título adviria, creio. Nem me adianta querer saber, ninguém me daria muita atenção, já sei como é. Essa seria apenas mais uma pedrada que atiraria à minha própria caça. Os meus efeitos nunca são os melhores. Adquiri o gosto de fazer-me aparecer porque sei de antemão que não me vão notar a presença.

Eu quero uma mulher

Ela: Este ano voltam a usar-se as cores fortes, cor-de-laranja, amarelo, verde-bandeira...

Ele: Há bandeiras que não têm verde.

Ela: Verde-bandeira-portuguesa, pronto!

Ele: Ah! Ah! Ah! Ah!

Ela: Ó pá... Eu quero uma amiga... Ninguém me entende...

Sol

E a propósito do sol que escrevi há pouco: está um sol magnífico, os dias estão lindos, já há folhinhas nas árvores. A ver se vou ao jardim daqui a pouco, procurar florinhas brancas naquelas árvores que já preencheram alguns dos posts deste blogue.

Iminência

Sinto...

... Uma intolerância ao sol,
... Um espirro que vai sair a toda a hora,
... Arrepios e
... Um cansaço extremo.

São sinais enfermiços. Oxalá não desenvolva.

Partindo a louça

Ainda mal começou o dia de trabalho e já parti a louça toda.
Esteve aqui um careca a pedir – encarecidamente, diga-se – que lhe arranje loção capilar igual ou parecida à que havia antigamente. Eu, que não sou profunda conhecedora do produto em questão, achei por bem formular algumas questões para me sentir minimamente 'documentada'. Vai daí, a dada altura sai-me a seguinte pérola:
– Então e isso é exatamente para quê? Para lhe aparecer cabelo?
A conversa prosseguiu, da melhor forma que consegui. Seguidamente, o careca, como que disfarçando o natural incómodo que as minhas questões possam ter provocado, reiteira-me a explicação do seu 'pedido de ajuda':
– Sabe, é que quando eu acordo, acordo todo desgrenhado. Então, passando essa loção, escuso molhar a cabeça.

Neste momento já não sei se a pérola é minha ou dele – Um careca desgrenhado?!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Tópico

Criei um tópico do caraças!

«A vida mata-me lentamente...»

Não é o máximo?!

Dias de um ginásio

A esta hora já o leitor se delicia com a ideia de que vou escrever de sexo e afins. Isto, porque leu o título, claro. E vou escrever de sexo, pois. Quero dizer, se calhar não bem de sexo que vou escrever - hoje é mamas e paus. A bem da verdade, já o post anterior se aproxima da temática, eu é que meti ali a criancinha no meio da história para dar um ar cândido e angelical... Assim de repente todos ficámos a pensar que sou uma senhora cheia de aprumos e muito dada à área poética da vida.
Adiante.

Uma pessoa (eu) fica toda contente porque a balança lhe devolve a feliz informação de que tem menos três paus do que no fim do verão passado. Mas uma pessoa fica triste porque sabe que um daqueles paus lhe saiu... Das mamas. Oh céus... Esta discrepância mediterrânica, pá!

Pintados a vermelho

Isaurinha era uma menina de oito anos. Estava calor, era verão. Isaurinha tirara a camisola fina, estava a suar. Não, não era por estar a suar, Isaurinha tirara a camisola porque queria mostrar as maminhas. Depois agarrou numa caneta de feltro vermelha e pintou os mamilos. Ficaram nítidos. Dramáticos. Isaurinha riu, com aquela malícia que só nas crianças é natural, porque as crianças apenas conhecem os sentimentos de raspão.

Ausência

– Oh, não está cá aquele senhor?
– Não. Estou cá eu. (hoje ando nisto, já se vê...) E desejosa de a atender...
– Ah, sabe o que é que eu queria?
– Queria um alguidar.

Ah, pois. Eu não sei vender um alguidar, minha senhora. Será particularmente difícil introduzi-lo num saco de asas, já para não falar do troco e assim, que não me dou nada bem com contas.

O Miguel

Estive no banco a fazer um depósito. Como sou uma querida, estive no banco a fazer um depósito na conta particular do meu colega. Não estava a dona Carminda, logo... Fui atendida pelo mais recente funcionário, que é aquele tipo de pessoa a que vulgarmente chamamos: um ganda cromo!
Ditei o número da conta e ele leu o nome em voz alta:
– É o senhor Miguel...
– Não é Miguel.
– Li mal, então.
– Ainda bem que leu mal porque se estivesse mal escrito no ficheiro era chato.
– Então o senhor Miguel, não está cá?
– Não, estou cá eu. Para o que é, serve bem.

Eu também sou um ganda cromo. Eu sei que sou, o resto da humanidade é que não quer saber dessa irregularidade para nada.

O corte

Um homem que vem aqui pedir aos três euros emprestados de cada vez para comprar tabaco, e que é maluquinho... mas não é parvo, convém acrescentar, esteve a contar-me do...

«Corte que tenho no dedo porque andei a ajudar os senhores do talho a transportar a carne e depois o dedo escorregou e aleijei-me num daqueles ganchos assim muito grandes e veio logo um do talho e puxou-me a pele doeu-me tanto e eu queixei-me e veio outro a seguir e também puxou e eu queixei-me mais ainda e fiquei logo com os nervos em franja...»

Aqui para e olha-me com uma expressão alucinada, tem os olhos abertos, a boca num espanto desmesurado...

«Sabe que eu sou doente, não sabe menina? A menina sabe que eu sofro dos nervos, não sabe?»

Hum-hum! Sei, pois.

Xis


Saí detrás dum ecrã cheio de letras para atender um senhor que queria abraxadeiras axim pó tubo vinte'.



Fiquei com uma vontade imensa de fuzir dali para me rir...

Colar a imagem

Assim de repente carreguei para aqui num botão qualquer e colei uma imagem do que estava a escrever no próprio documento em que estava a escrever...
Sim, eu sei que colei um print screen. Ora acontece que eu não queria nada disso. Um dia que eu queira colar um print screen num dos meus textos, colo-o sozinha, ok?

Terrim!

Toca o telefone. É Roberto. Pergunta meio a brincar se estou zangada com ele, que nunca mais lhe requisitei nenhum trabalhinho. Digo que não, sorrio muito (sei que os sorrisos se ouvem através do telefone), digo que está tudo bem, a gente tem é pouco trabalho, é isso. Ele anuncia que vai mudar de instalações e eu fico cheia de lamentos. Oh... Então já não vou poder brincar consigo e mandá-lo espraiar entre um trabalho e outro?!, pergunto eu. Pois não..., diz ele.

A partir de hoje tenho menos uma piadinha no repertório.

O saber que ocupa um lugar

A experiência profissional revelou-me que os clientes que desdenham dos termos técnicos dos produtos são aqueles que se espantam de sobremaneira se eu não os souber designar com precisão ou explanar as características detalhadamente.

Este tipo de pessoa faz-me lembrar um conhecido meu. As conversas só podem incidir sobre os temas que ele conhece, quando se fala de algo que desconhece, o bicho desdenha e brinca, sendo incapaz de se calar, ouvir e aprender. E sempre que alguém diz não conhecer aquilo de que ele fala, faz um ar de quem está na presença da pessoa mais estúpida e inculta a que a Terra já deu guarida.

O sim

A sra da empresa tal disse que sim.

Eu explico a frase acima, que o acontecido merece.
Foi dado um orçamento verbal. A cliente ficou de falar (verbalizar) com o chefe e depois dizer (verbalizar) qualquer coisinha. Quando disse (verbalizou), foi que 'sim'. Tive necessidade de (mano) escrever um recado. Então...

A sra da empresa tal disse que sim.

Toque

Fui fazer uma massagem Ayu-qualquer coisa. Não sei o nome, nem me apetece pesquisar, só sei que tem um 'a' e um 'y'. E também quero registar o acontecimento.
Percebi que o toque é sensual. Isto de ter uma maria a mexer-me em todo o corpo tem a sua piada, assim... Como que ao nível da libido. Primariamente fiquei estupefacta comigo. 'Bolas, como é isto possível...' Seguidamente pus-me a pensar que o melhor era deixar-me de merdas, isto só prova que sou absolutamente normal – sou estimulada, reajo. É uma questão meramente física. Ponto final.

Ainda há mais uma questiúncula a acrescentar: quando a massagem estava quase no fim, e eu absolutamente descontraída e livre de inibições, ela, grávida, encostou o barrigão à minha cabeça. E muito me apraz dizer que adorei a sensação de ter uma vidinha encostada à minha. O roçar de vidas, a união momentânea e passageira. Outra sensação física, sim, mas que despoletou uma emoção pura e simples.

Registo

Este blogue serve para muitas coisas, uma delas é, por exemplo, registar dados que não queira esquecer nem por nada. Portanto...

Tenho os tecidos que comprei este ano, mais os que restaram do ano passado, todos lavados e preparados para serem convertidos em modelitos tão perfeitos quanto fantásticos, pelas minhas mãos tão hábeis quanto exemplares de bons testemunhos.
É que o ano passado tive um grande desgosto: aquele meu vestido às bolinhas, lindo e espetacular... Encolheu quando foi lavado porque não me quis dar ao trabalho de lavar o tecido antes. (O que vale é que tenho recordações da dita peça em pixéis.)
Então, nada como estar tudo lavadinho e pronto a ser transformado e costurado sem riscos.

Registado!

Memórias de enfiamentos

Muito me lembrei eu da minha mãe e da dona Vitória*, no feriado! Por causa de não conseguir ver o buraco da agulha...
Ó Gina, anda cá enfiar a agulha à mãe!
Era assim, quando a minha mãe já havia chegado aos 'entas' mas ainda não tinha adquirido os óculos.
Deus te conserve essa vista, Gina! Ai filha, Deus ta conserve...
Era assim que a dona Vitória se me dirigia, caso me houvesse pedido para lhe enfiar a agulha, mesclando o próprio infortúnio com o sincero desejo de que a minha sorte se prolongasse vida afora. Infelizmente, o desejo da dona Vitória não se tem concretizado, não... Para mim, enfiar a agulha, mesmo com óculos, recentes, inclusive, é um tormento.

*Para conhecer melhor a dona Vitória clicar aqui.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Escrever

É fixe. Escrever é fixe. Mas hoje há pouca coisa. Não sei se diga que os clientes andam arredados... E fale da crise... Não, não digo nada disso.


Escrever é fixe. É bom. É espantoso.


Estou a ver que nunca mais chove. A humidade é desejável para mudar o cenário, a ver se desaparece a sensação de mais do mesmo.


Escrever. Corroer ideias. Desmantelar estruturas. Desintegrar personalidades. É disso que se trata, na maioria das vezes.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Recomendação

Loures, 21 de fevereiro de 2012


Que não se deixe os waffles esquecidos na máquina... Quando não, ficam assim.

Carnaval

Srª do Arquitecto - Mafra, 19 de fevereiro de 2012


Eu 


tive 

direito

ao 

feriado


tu?

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Vácuo

Às vezes penso que a escrita me preenche em demasia. Agora não tenho rascunhos nem ideias novas, o que me deprime um pouco. Não ter nada para escrever transforma a minha vida numa vacuidade asfixiante e triste.

Envolta

O lugar da musa teve o seu interesse, hoje. Enquanto esperava o meu café, um senhor passou por trás de mim e estendeu um braço ao meu lado para retirar um pacote de açúcar e um pau de canela do cestinho deixando o outro braço no lugar. Ele não sabe que me deu um abraço. Mas deu.

Caracolinhos

Ainda não contei ao mundo acerca da nova cabeleira da dona Carminda. Pois é. A dona Carminda tem uma cabeleira nova. Cheia de caracolinhos. Louros, macios e perfumados. Os dois últimos adjetivos já sou eu a inventar, claro. Não lhe mexi nos caracóis ou sequer os cheirei.

Opostos

Um maltrapilho bonacheirão.
Remexe no lixo. Tem as faces rosadas do sol e um sorriso aflora-lhe o rosto escuro de tão imundo. É lindo, o sorriso dele. Para mim, é. Surpreendeu-me. Não tem nada a ver - catar o lixo e ter um sorriso franco e luminoso.

Um maltrapilho comunicativo.
Eu espreitava o portão duma estação de Metro por pura curiosidade, uma vez que se encontrava fechado. Estranhei a coisa e preparava-me para continuar o meu percurso. Logo vejo um homem mal vestido e sujo dirigir-se à minha pessoa, cheio de simpatias. Diz que o portão da entrada mais abaixo estava aberto. Vá lá, que 'tá aberta, diz ele, mostrando uma dentadura feia e escura. Também sorriu. Um sorriso muito igual ao descrito acima. Mais um que me surpreendeu de modo agradável. Agradeci o cuidado, claro. Não me serviu de nada mas agradeci.

São opostos, ou discrepâncias, que se miram (e admiram) de uma só perspetiva.

Vet, o doutor

O doutor vet quer sacos pretos.
Mas antes...
Olá, 'tá boa?
Claro, 'tou ótima! (Atão não se vê logo, ora ca porra!)
Quantos sacos?
Vinte.
Não sei se tenho tantos...
Então, levo o que houver.
Vou ver o qu' há cá.
O doutor vet ri-se da expressão, diverte-se.
Afinal, mais houvesse, tenho muitos.
Só quero vinte. Passe a fatura no nome tal, que eu 'tou farto de pagar sacos àqueles gajos. Isso até é para pôr cadáveres!
Espanto-me. Resmas de espanto. Abro os olhos. Eu 'tou a vender sacos p' ra pôr cadáveres?!
Sim, faz ele com um menear de cabeça. Ri.
Mas cadáveres de animais, certo?
Outro menear de cabeça, anuindo. Ri, outra vez.
Hum, ok.
Adeus, passe bem e essas coisas.

Série

Homem montando a fechadura.
Homem lavando o chão.
Mulher passando spray nos móveis.
Homem aparafusando.
Cão pedindo atenção.
Senhora dando atenção ao cão.
Homem aspirando.
Mulher espalhando cera no chão.
Senhora cosendo.
Cão ladrando.
Senhora mandando o cão calar-se.
Corredor. Portas. Quadros. Gravuras. Jarras. Molhos de chaves. Cinzeiros. Flores secas. Luvas. Cachecol. Medicamentos. Sacos. Desejo. Fotos.
Bloguista escrevendo...

Scooter


Agora vou escrever de motas. Isto de não ter clientes, pá...

Ele quer comprar uma scooter. Eu não. Ele diz que não apanhamos trânsito. Eu digo que o capacete me despenteia. Ele diz que vamos poupar dinheiro. Eu digo que os – lindos e extraordinários - modelitos estivais vão ficar no armário. Ele diz que é muito bom sentir o vento e o sol na pele. Eu digo que tenho medo de cair e ficar toda arranhada.
Argumentos não lhe faltam:
diz que eu vou ficar linda e sexy em roupa de motard...
e de capacete então nem se fala...
Mas não que eu seja feia e ele me queira ver de cara tapada, nada disso!

A menina

Agora vou escrever de criancinhas e assim porque eu também sou uma querida e mais não sei o quê.
A menina vendo-me num espaço diferente da última vez em que esteve comigo, virou-se para mim e perguntou-me:
– Tu também trabalhas aqui?
Disse que sim, que trabalho nas lojas todas desta rua. Trabalho muitas vezes no café e na loja da fruta, na padaria é que trabalho poucochinho. E na retrosaria também trabalho às vezes. Por acaso tenho de lá ir trabalhar daqui a bocado porque preciso de linhas pretas, azuis e verdes.
A menina riu-se muito. É tão fácil pôr uma criança pequena a rir.

Inas

A dona Adelina e a dona Ludovina encontram-se na drogaria e ali ficam à conversa. A senhora que atende ao balcão fica a conversar com elas porque não tem mais nada para fazer.
Ludovina lá pede um esfregão de loiça. Adelina riposta que tem lá em casa o assim-assim e que é muito bom. Ludovina sorri, benévola, e pede uma escovinha de lavar pratos. Adelina desdenha dizendo que quanto mais porcarias a gente tem em casa mais temos de limpar. Ludovina limita-se a prosseguir com a sua vidinha simples: pede um sabão azul e branco. Mas branco... O branco mesmo branco. Adelina fica interessada e fica de cabecinha à banda por modo a depreender qualquer réstia de interesse que ali haja. A senhora que atende ao balcão refere pela enésima vez que esse sabão com o branco mesmo branco já não há, os fabricantes deturparam a fórmula.
As Inas ficam mudas e em uníssono, que duas pessoas mudas em uníssono é algo que não acontece facilmente na vida das pessoas... Têm os lábios apertados como se fosse necessário contrair alguma coisa para perceber questões simples. Ou para não deixar sair sons que deitassem por terra a expressão invulgar que a escrevente desta história fantástica acabou de criar: mudez uníssona. (Será o silêncio um som?!)
Adiante.
A senhora que atende ao balcão sabe que usar palavras caras dá credibilidade bastante para emudecer as Inas em questão. Mas o sabão volta para a prateleira, que a Ludovina não o quer.
A senhora que atende ao balcão daquela drogaria pediu-me encarecidamente que usasse o meu blogue para fazer o género de uma petição para que os fabricantes de sabão azul e branco revissem quantidades, bem como os componentes que usam para fabricar o dito.

Então eu repito:

Senhores fabricantes, voltem a usar as coisas de antigamente na produção desse mítico sabão macaco, sim?

Inverso

Anda aí uma senhora que me faz lembrar uma outra de quem já escrevi em tempos mas pelo inverso.
A mulher é linda! Ele é lábios pintados sem borras, ele é rímel na quantidade certa, ele é unhas impecáveis. As roupas são o máximo, cortes perfeitos e modelos invulgares e cheios de classe. Tudo isto se apresenta sem que nada, nunca, caia no exagero, ou pareça vulgar e de baixo escalão.
Quando ela passa na rua está notoriamente convicta dos olhares de apreço. Anda sempre esplendorosa e bem apresentada, é o que é. Nada mais natural, portanto. Ainda assim, apresenta um ar ligeiramente tímido, algo muito ténue... O que lhe confere uma grácil aparência em todo o conjunto.
Há dias entrou aqui, queria um pequeno conjunto de manicura que eu tinha na montra. Quando abriu a boca para falar desmoronou tudo. A voz não tem nada a ver, é roufenha e dois tons acima da média. Ri-se desmesuradamente e tem as respostas prontas. É dotada de uma simplicidade no falar que me colocou boquiaberta cá por dentro...

Ofensa

Outra ofendida. Isto hoje está bonito, está...

Uma ficou estacada à porta porque a Outra estava cá dentro e tinha deixado o carrinho das compras na entrada. Quando se aprecebe que a Uma não pode entrar diz, fingindo-se aflita:
- Ah, pois, não cabe...
A Uma fica toda enxofrada:
- Não é que não caiba, a senhora é que pôs o carrinho aqui...
Isto de as mulheres ficarem sempre a pensar que lhes estão a chamar gordas e obesas e monte de banhas e o caraças, pá...

A porra do frio

Ainda que não se sinta tanto, o frio lá continua. Zorro viu-me à tardinha, toda agasalhada e encolhida.
– Ó menina, isso é tudo frio?
Ri-me e respondi que sim, claro que tenho frio, está um frio do caraças! Logo se mete uma parva que não conheço de lado nenhum, o acaso foi quem nos pôs aos três no mesmo lugar, à mesma hora. Diz ela assim:
– Há de ter uma grande coisa a ver com isso!
Ora esta! Não pode uma mulher receber uma atençãozinha na medida certa e dum cavalheiro todo cheio de palavreados engraçados que logo vem uma invejosa! Credo, 'miga... Vá para casa que está frio.

Post de Carnaval

Que não se fale mal da folia e tudo quanto for carnavalesco. Vendi cinco metros de mangueira a um jovem que logo à noite se vai mascarar de bombeiro.

Telefonema

O telefone tocou e reconheci no visor do fax que alguém me queria falar de França. Levantei o auscultador e sem mais disparo:

Alô, la France!

Depois conversámos e tal. Ela falou do frio e eu respondo logo:

– Ai mulher, não sei que é isto mas estou cheia de calor!

E estava. Era um calor imenso... Mas não podia desenvolver a conversa, demorando em pormenores, falando sem custo dos meus pesares do momento. Era melhor não dizer que tinha acabado de aturar uma fufa de merda com ares de quem tem falta de qualquer coisinha realmente boa, grande e que se mexa voluntariamente e sem pilhas e que me moeu os cornos até mais não... Porra para a mulher! Ou homem, ou lá que é aquilo! Também não ia contar da cliente (que me apreceu logo de seguida, nem dando tempo a que me recompusesse) e andou a escolher seis rolhinhas de cortiça ao milímetro, 'Ai esta aqui parece um nadinha mais estreita, já viu? Ou esta aqui, que acha? Hum, se calhar antes esta, não?'.

Não ia dizer nada destas coisas à la France... Então, escrevi-as. É fixe, isto de ter um refúgio.

Nota final: estavam dois marmanjos na loja que acharam que os meus calores se deviam à sua presença. Pobrezitos... Também é fixe, isto de provocar reações erradas ou desconcertantes nas pessoinhas do sexo masculino.

À volta

Vi o senhor doutor, claramente a caminho do almoço. Saiu do escritório e ia para casa almoçar.
Mas olhe que a sua casinha não é por aí, senhor doutor... Assim vai dar uma grande volta...
Que raio irá o homem fazer por este lado?
Ó senhor doutor, não vá por aí que é longe! Então não sabe que indo no sentido contrário lhe fica mais a caminho?! Senhor doutor!

Os carros

Mafra, 19 de fevereiro de 2012

Vi uma senhora idosa dentro dum carro desportivo amarelo iridescente. Aparentemente não se coaduna, digamos que uma velha fica mal num carro que dê muito nas vistas. Então, iniciei as comparações.
Lembrei-me do meu carro.
Lembrei-me de mim.
Lembrei-me do volante.
Lembrei-me do meu carro comigo ao volante.
Eu, não sendo tão velha como ela, conduzo um eat codoba... Um carrito simples, que anda p'ra caraças se eu quiser (ou se não levar bagagem e/ou passageiros), cinza prata como milhentos, a faltar letras na traseira, a não querer pegar por vezes...

O casaco

Passou na avenida, cheia de graça. Tinha um casaco comprido, em ganga, com bordados subtis em cor clara. Coisa pouca, pareciam pequenos rabiscos de alguém com vergonha de desenhar. Claramente em 2ª mão, supostamente fora de moda. O casaco é compridão mas fininho. É bom para agora, as tardes estão quentinhas.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Passeio de domingo





A placa dizia que o lugar era o da Senhora do Arquitecto. É uma igreja simples e isolada no meio do mato. Mais uma descoberta saloia...
A quem quiser visitar fique sabendo que o local fotografado se encontra junto a uma localidade chamada Longo da Vila (que nome original, não?) e a pouquíssimos quilómetros de Mafra.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A joia (preciosa...)

Preciosa já tem maminhas e as ancas redondas quando inicia a atividade laboral. É uma mulher, a bem dizer.
Conseguiu o emprego de caixa no minimercado lá do lugarejo, a sua tia Inês já lá trabalhava e meteu a cunha. Isto na saloiada é assim... Bem como no resto do país, já se sabe.
Preciosa aprendeu cedo a manejar os artigos no sentido certo, com a etiqueta do código de barras para baixo. Artigos para o lar, frutas, legumes, mercearias, talho, peixaria... Havia até uma secção de arranjos de costura e outra do sapateiro mais corcunda que já se viu.
Mas vamos às etiquetas: todas têm um códigozinho às tiras pretas e minúsculas. A máquina sofisticadíssima só tem de fazer: Bip!
Tens de ouvir o bip, Preciosa. Tu vê lá... Põe-te a oferecer as coisas ao freguês, põe! Não ponhas para o lado sem ouvir o bip.
Preciosa aprende rápido, é esperta. Ninguém lhe faz a folha, não! Lida com as gentes do lugar, fala e conversa mas não dá confiança a ninguém. Sempre sisuda, confortável na pele de caixeira, porém.
Quando os anos passam Preciosa vira fufa, deu-lhe para aquilo! Amasculina-se e isso. Preciosa, veste umas roupas femininas, vá, que isto de ser mulher é interessante... Tens mamas, anca larga... e gostas de mulheres. Oh céus... Que desperdício, rapariga!
Preciosa vai aos bailes, dança desaustinadamente. Não há medos ou vergonhas que a abalem, lá na terra já toda a gente sabe, já tudo se habituou a essas modernices e até nem levou assim muito tempo. Preciosa é uma mulher trabalhadeira, qual é o problema se fode com mulheres ao invés de com homens? Ora essa! Interessa é a gente ser feliz...
Preciosa assentou. Tem uma companheira. É completa. Íntegra, até. Recentemente adotou duas lindas meninas... Lourinhas, com um ar tão angelical que só visto! Meninas essas que vão à escola sem sofrer de bullying.... Essa coisa de agora...

...

Olá. 

Sou a escrevente desta história banal... E confesso que não sei como a terminar. Queria algo pomposo e não acho nada condizente com a ideia de quase festa. Queria celebrar o amor e a felicidade que todos desejamos tão ardentemente. Lançar foguetes, fazer chinfrim...
Diz-se que um autor não termina a sua obra, antes a abandona, mas isso, às tantas, foi 'obra' dalgum escritor medíocre que viu nessa descoberta o almejado brilhantismo...
Fica-se assim; esta história fica assim. Abandono-a neste exato momento. O leitor abandone-a também, que está na hora.

Memórias...

… Que trouxe do passado porque andei às voltas com fotografias antigas (ver aqui). Apresento-as por ordem cronológica.



Avó Chica

A avó Chica aparece duas vezes nas minhas fotos. Na verdade tenho-as porque um dia vi a lata onde a minha mãe guarda as fotografias de toda a vida, pedi-lhas e ela concedeu-mas.
Sei onde foi captada esta imagem da minha avó, foi na rua onde morava e onde hoje moram os meus pais. As circunstâncias desconheço-as por completo.



Gina na Costa de Caparica

Aqui sou eu na praia quando tinha sete anos, para aí. Os leitores rejubilem, caso lhes apeteça, por me verem na praia, encharcada até aos ossos e em fato de banho...



A avó Aurélia

Cá está a minha avó Aurélia. Aqui posava, claramente, ladeada pelas minhas tias e irmão (que não aparecem porque eu cortei a imagem).
Esta fotografia foi tirada por mim, se bem me lembro, na altura eu devia ter uns 11 anos, ainda percebia menos de captação de imagens do que hoje, por isso a minha avó ficou cortada ao meio, o que lamento deveras. É a única imagem que tenho dela, ainda por cima só aparece metade...



Gina + Beta

Eu e a minha amiga de infância, a amiga mais importante e a de que tenho mais recordações. No entanto, ela não aparece, não a vejo há q' anos e não me apeteceu procurá-la para lhe pedir licença para usar a sua imagem na blogosfera. Estamos abraçadas porque éramos amigas e gostávamos imenso uma da outra. Posso acrescentar que o vestido dela era igual ao meu e foi a minha mãe que os fez.


Gina na Ericeira

18 anos. Se calhar até nem sabia que era gira. Mas era...
Não há como retirar a senhora lá de trás sem me cortar a mim também. Portanto, senhora que está lá atrás e que já apareceu neste blogue uma vez ou duas, tenha lá paciência, sim? Ficamos aqui as duas, vá.


Ricos filhos

Estávamos em pinturas cá em casa. O Luís sempre teve muito jeito para pôr as crianças a mexer em coisas que não devem... A ideia foi dele, as fotos são minhas, creio.




Londres, St James Park

Fui a Londres há sensivelmente 7 anos (2005). Era Carnaval, como agora. Adorei a cidade sob vários aspetos. Mas o que mais adorei foi sem dúvida este parque. É imenso, verde, fresco... E lindo!

E
G
O


Ela é linda e tem um casaco verde...

Bolo de curgete, cenoura e laranja

Ingredientes:
250g de manteiga sem sal

Descobri este bolo no blogue Cinco Quartos de Laranja, mais precisamente aqui. Agora ando numa de experimentar bolos que me pareçam diferentes e este é-o. Não é nada exagerado em doçura e é muito húmido e gostoso.

200 gramas de açúcar
4 ovos pequenos
250 gramas de farinha
1 colher de chá de bicabornato de sódio
raspa de duas laranjas
1 colher de café mal cheia de canela moída
1 colher de café mal cheia de gengibre em pó
100 gramas de cenoura ralada
100 gramas de curgete ralada com a casca

Para a cobertura:
150 gramas de açúcar em pó
3 colheres de sopa de sumo de laranja

Bater a manteiga, os ovos, o açúcar, a farinha, o bicarbornato, a raspa de laranja, a canela e o gengibre. De seguida, juntar a courgette e a cenoura.

Colocar a mistura na forma untada e levar ao forno durante 30 a 35 minutos. Antes de retirar do forno, verificar com um palito a cozedura.

Para a cobertura misturar muito bem com uma vara de arames o açúcar em pó e o sumo de laranja. Regar o bolo com esta mistura.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Folha da Rosa

Lembro-me d' A Folha da Rosa, lá de quando em quando. É uma criação minha com cerca de dois anos a que nunca dei um andamento capaz. A ideia inicial era contar um episódio fora de série; estranho; invulgar, passado nesta rua de onde escrevo.
A dúvida persegue-me e atrofia-me a criatividade:

Existem efetivamente situações mirabolantes na minha vida, ou sou eu que as transformo?

Um dia, um cliente chinês que mal falava português, mas no entanto era muito expressivo e comunicativo, abriu o saco que trazia consigo, retirou uma banana e estendeu-ma como oferta.
Hum... OK, 'migo. Obrigadinha.
Recomendou-me vivamente que não a comesse nesse dia, que ainda estava velde, comesse-a no dia seguinte, que já estaria madula. Assim fiz.

E depois lembrei-me d' A Folha da Rosa, o meu jornal diário e privado. Não tenho medo que não se entenda o que escrevo, tenho (muito!) medo que não se pareça com a realidade dos meus dias.

Procura-se dinheiro

A dona Alda andava de roda dos pertences para me pagar dois frasquinhos de acetona. Dois, ah pois. É um produto muito necessário, já lá ficava para ocasiões vindouras. Ou então, fazer stock é fixe. Um dia ainda pergunto à dona Alda se acha fixe armazenar frasquinhos de acetona no armário da casa de banho. Tenho a certeza que se rirá, atirando a cabeça para trás e me chamará Gininha mais uma catrefa de vezes.
A mala pousada no balcão e um reboliço do caraças lá por dentro, à força de tanto vasculhar. Documentos, cartões e afins iam aflorando e desinteressando, aflorando e desinteressando. E eu esperando, às vezes tenho isso a que chamamos paciência… Mas da carteira, esse objeto tão apetecível ao momento, nem sinal. Ela ia rindo e tremendo, os dedos iam-se mexendo, nervosos, à procura do singelo contentor de numerário...

– Ele há de andar para aí, ó dona Alda!

Diga?!

A abordagem que um cliente nunca deve ter comigo:

– Sabe o que é que eu quero?

Porque eu vou dizer:

– Não.

Articularei todas as letras, demorar-me-ei no monossílabo, olharei para o dito cliente avidamente, esperançada... O que poderá não ser bem tolerado.

Lógicas disparidades
ou
Perfeitos disparates

Um diz-me que hoje estou toda a condizer e tenho vontade de usar maus modos e responder:
'Vai à merda, filho dum cabrão!'

Outro diz que acha a minha camisola o máximo e eu farto-me de rir com a simples observação.

A escalfeta e o preço dela

– Ó menina, quanto custa a escalfeta que tem ali na montra?
– É xis.
– Credo! Tanto dinheiro!
– Pois... É o preço de ter os pés quentes...

1,5 mt

Metroí Meio traça a perna na avenida, enquanto espera a abertura do sinal. Tem um saltinho, mesmo assim. Mesmo assim é 1,5 mt, quero eu dizer. Mas tem a sua lógica. Metroí Meio traça a perna e encosta-se sensualmente ao pino que demarca o proibido-estacionar-e-ou-parar. Caso fosse espadaúda... Já se vê: encostava-se a quê?

Ao poste. Mas não era a mesma coisa...

Nova leitura


Estou a ler 'Eu + Tu = 1' de Paula Santos, o qual adquiri da maneira que descrevi há tempos neste post.

Forrei-o para que não se rompa todo por andar na mala aos trambolhões e pus na capa: Não é segredo nenhum!

Pois não, é lá agora! Se estou a contar ao mundo!

P.S. Abaixo está a verdadeira imagem do livro. Procurem-no e leiam-no, que vão gostar. A Paula é muito divertida no modo de descrever as situações. E tem um blogue: Marshmallow and Lilypad


Antiquário



O meu colega anda a ler um livro antiquíssimo, publicado em 1936: Gimnástica Sueca, que não refere propriamente o autor, antes diz ser baseado nos sistemas Ling, Kumlien e Múller.
A ortografia, o vocabulário e a construção das frases são totalmente fora dos dias de hoje. É sobejamente interessante verificar como a comunicação escrita evolui, ou se transforma com o rodar dos tempos e das vontades.
O meu colega anda entusiasmado também, lê-o vorazmente, inclusive, e faz referência em voz alta a praticamente todas as coisinhas diferentes que encontra... É assim mesmo, caro colega!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Largueza à vista

Encontrava-me numa casa que desconhecia quase completamente e vislumbrei a paisagem através duma nesga do cortinado florido. O meu desejo imediato foi aproximar-me e ficar ali a mirar sem pressa. Nunca vi a alameda daquela perspetiva e perguntei ao dono da casa se não se importava que fosse espreitar.
– Ó minha senhora, claro que não, faça favor!
Diz ele todo gentil, com um espanto divertido assomando no olhar. E eu fui até à janela, curiosa e satisfeita. Afastei o cortinado com suavidade, para fingir um apaziguamento que não sentia, e olhei lá para fora, para aquela imensidão de cimento ladeado a árvores despidas, nos dias de agora. A atmosfera estava impregnada de escape automóvel, não que estivesse lá fora, mas sei como é, a alameda e eu somos amigas. Cúmplices, até. Ali cheirava a perfume de parede, porém. Um difusor elétrico espalhava um agradável odor. Dei atenção às vistas, então.
Há quem não goste da largueza e da espécie de desamparo que a alameda remete ao transeunte. Mas isso são os transeuntes, que os voyeures gostam. Ou por outra → eu gosto.
A bem da verdade aprecio bastante espaços nus ou sem características crepitantes, que pipocam sensações assim que lhes pousamos o olhar. Fiz saber este gosto ao meu interlocutor do momento, que me respondeu nunca ter reparado nisso. Abre a boca em sinal de surpresa, detém-se algo maravilhado com a minha prosa. Para ele a alameda são meros pedaços de estrada e algumas árvores que florescem na primavera e cujas folhas caducam no outono. Só isso. Ou então uma imagem recortada por uma janela envidraçada e enorme, por onde ele espreita sempre que está aborrecido com o que dá na TV. Desenvolvi um pouco mais a conversa, aproveitando o raro facto de ter um ouvinte interessado. Contei-lhe do prazer especial que tenho em observar paisagens despidas, como que desprovidas de personalidade, com pouca coisa onde sustentar a vista. Assim é melhor, é como estender a mão mas manter-me quieta, existe uma simplicidade natural, a gente percebe rapidamente toda a envolvência, está tudo ali, sem torneados e arabescos. Floreados e afins. Nada. A realidade crua e virgem é a que mais admiro, para lhes achar as subtilezas. Sou artista, gosto de telas em branco, olho a paisagem e construo a história como me aprouver.


Lisboa - Alameda Dom Afonso Henriques, 15 de fevereiro de 2012

4

Por causa da porra do frio tenho muitas camisolas vestidas. Quatro. O frio não é nada fixe, já a quantidade enorme de camisolas tem a sua piada. Para começar passo o inverno gorda que nem uma porca. Depois, em vindo o tempo mais quentinho, parece que fiz uma lipoaspiração ou assim. O assim pode ser apenas o facto de ter retirado a roupa de cima do pelo, diminuindo consideravelmente o volume. Então, é vê-las e ouvi-las: ah, a menina está mais magra, que é que andou a fazer? Invejosas, pá...

Coincidência literária

Na última página do livro que acabei de ler - Mrs. Dalloway, Virgina Woolf – está uma nota da editora encimada pela seguinte frase:

Um clássico é um livro que nunca acaba de dizer o que tem para dizer. - Italo Calvino

Curiosamente, o escritor Italo Calvino é o autor do livro de que falei há tempos (neste post) e referi como sendo um livro escrito dentro do 'tu cá tu lá'.
Entretanto, há umas semanas, comprei esse mesmo livro. Não o vou ler para já, que tenho outros à espera há mais tempo, mas deixo aqui um cheirinho do dito.


Estás prestes a começar a ler o novo romance Se numa noite de inverno um viajante de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa que o mundo que te rodeia se esfume até se tornar indistinto. A porta é melhor que a feches; a televisão está sempre ligada. Di-lo já, aos outros: “Não, não quero ver televisão!” Levanta a voz, se não te ouvem: “Estou a ler! Não quero ser incomodado!” Talvez não te tenham ouvido, com todo aquele barulho; Fala mais alto, grita: “Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!” Ou então se não queres dizer não digas; esperemos que te deixem em paz. (…)

Não que estejas à espera de alguma coisa de especial deste livro em especial. És um daqueles que por princípio não espera mais nada de nada. Há tanta gente, mais jovem do que tu ou menos jovem, que vive na expetativa de experiências extraordinárias; dos livros, das pessoas, das viagens, dos acontecimentos, daquilo que o dia de amanhã lhes reserva. Tu não. Tu sabes que o melhor que se pode esperar é evitar o pior. Esta é a conclusão a que chegaste, na vida pessoal tal como nas questões gerais e até mesmo mundiais. E com os livros? Ora, justamente porque o excluíste em todos os outros campos, achas que é justo concederes-te ainda este prazer juvenil da expetativa num setor bem circunscrito como é o dos livros, onde as coisas podem correr mal ou correr bem, mas o risco de dececão não é grave.

Coloridos

Passou uma senhora na rua com a cabeleira da mesma cor que o meu verniz das unhas.
Nada de especial, se o leitor pensar que as tenho pintadas de branco, preto, cinza, castanho ou mel.
Mas não. As minhas unhas estão pintadas de lilás. Ou, se quiser ser poeta, estão ornamentadas num lindo tom violeta.
Violeta, essa cor amaricada, essa cor tão extravagante que nem se parece com nada.

Mais tarde passou por mim um jovem chinês de cabelo verde. Desconheço o futuro e, portanto, não sei se algum dia pintarei as unhas de verde. Mas tal não está totalmente posto de lado, não, que eu adoro o verde.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Biblioteca

Há alguém que permanece no meu imaginário mais recôndito e me pergunta meio trocista se vou ler estes livros todos ou só quero encher prateleiras.

Vou ler, vou. Não falhará nenhum, assim eu não morra antes. A pressa tira prazer à leitura, engolir palavras sem as saborear e digerir não é comigo. Sou amante das calmas nalgumas questões. Devagar, devagarinho. Mas nunca parando.
É como escrever. Minto se disser que escrevo sem freio. ... Devagar, devagarinho. E nunca parando, que parar é morrer.

(E eu tenho de ler todos os livros que preenchem a minha biblioteca...)

Acidez

Não é só à dona Gislena que a acidez das laranjas causa arrepios e lhe força as caretas. Quando me vê de laranja na boca, sorvendo e lambendo-me toda satisfeita, o meu colega saliva e exclama com horror:
– Pois, vens para aqui afligir um gajo, pá!
E eu, provocadora, chupo a polpa ácida e sumarenta com afinco desmesurado. Hum...

Terminus

Terminei a leitura do livro 'Mrs. Dalloway', Virginia Woolf.
É denso e intenso mas disperso, foi preciso concentrar-me realmente na leitura, o que não é fácil para mim. Ainda assim gostei. Há pontos em que me identifico, não só com um personagem mas com vários e ao longo de todo o livro.


- Mas o que fez ele? - perguntou Sally. Supunha que apenas obras públicas. E eles eram felizes juntos?, perguntou Sally (ela era extremamente feliz); pois, confessou, não sabia nada a respeito deles, apenas podia fazer conjeturas, tirar conclusões precipitadas, como era habitual fazer-se, pois o que realmente sabemos até das pessoas com quem vivemos todos os dias?, perguntou ela. Não somos todos prisioneiros? Lera uma peça maravilhosa acerca de um homem que escrevia nas paredes da cela, e ela achava que aquela é que era a verdade da vida – coisas que escrevíamos nas paredes. Quando se sentia desesperada com os relacionamentos humanos (as pessoas eram tão difíceis), ia muitas vezes para o seu jardim, e obtinha junto das suas flores uma paz que nem homens nem mulheres alguma vez lhe tinham dado. (…)

Quando se é jovem, disse Peter, sentimo-nos demasiado entusiasmados ao conhecer pessoas. Agora que somos velhos, cinquenta e dois anos para ser exato (Sally tinha cinquenta e cinco de corpo, disse ela, mas o seu coração era o de uma rapariga de vinte); agora que amadurecemos, disse Peter, conseguimos observar, sem perdermos a capacidade de sentir, disse ele. Pois, isso era verdade, assentiu Sally. Ela sentia mais profundamente, mais apaixonadamente, a cada ano que passava. (…)

– Vou contigo – disse Peter, mas manteve-se sentado por mais um instante. Que terror era aquele? Que êxtase?, pensou. O que me enche desta extraordinária emoção?
É Clarissa, disse ele.
Pois ela estava ali.


Páginas 200, 201, 202

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

6144

Aviso prévio:

Abaixo deste aviso está uma imagem e um texto que nada têm a ver um com o outro. Apresento ambos nesta publicação porque sim, ah pois é, ainda assim, por isso mesmo e por causa de.

Lisboa, 13 de fevereiro de 2012


O lugar da musa estava extraordinariamente luminoso. O espaço tinha uma abertura fantástica, parecia duma vastidão incrível. Os dias estão maiores, sem dúvida.

Monsieur Dupond (Dupont?!) tinha companhia, hoje. Era um homem atento e desperto. E conversador, tanto que ouvi a voz deste monsieur pela primeira vez, ele que sempre está curvado perante o jornal, calado e absorto.

Eu, desperta, não, não estou. Estou a dormir não tarda. Ninguém está comigo...

Um dia tenho de escrever qualquer coisa. Mas qualquer coisa com vida.

Caros leitores: até amanhã, caso este exista.