Eu, por mim, em cada vez que tento pesquisar dentro de mim, e há vezes em que até procuro do lado de fora de mim, chego sempre ao ponto inicial. Parece-me sempre que o sentido da vida é indescritível senão mesmo indecifrável. Isto porque existem tantos sentidos de vida quantos são os seres humanos. Não haverá, portanto, um único sentido da vida.
Sempre que procuro as respostas que até hoje não encontrei, vejo-me andando em cima de uma esfera, em que por mais que ande nunca hei-de chegar ao fim, ou, quando muito, chego ao ponto de partida sem nada ter encontrado. E quando isso acontece escrevo coisas deste género:
Na busca incessante da minha verdade, invento que quero dedicar-me às coisas que nunca saberei sentir nem sequer escrever. Fantasio mentiras até parecerem verdades. Não obstante, aqui continuarei.
Ou deste:
Faço uma ronda, passeio por mim e chego sempre ao ponto de partida. Esburaco-me e rebusco cá dentro para me entender. Ordeno tudo e saio dali mas volto ao que sentia no início - desordem e torpor.
Se calhar, o sentido da vida está na simplificação das coisas, está em não fazer esforço algum, quer para saber que ando cá a fazer, quer para achar o significado das coisas que sinto.
Caí neste mundo sem ter havido sequer opção, sem nada escolher - o sexo, a cor, a família que me acolheu ou o lugar de aterragem - e deveria aproveitar o que tenho sem reservas de espécie alguma para não desperdiçar o tão precioso tempo que, em cada segundo que passa, é mais raro por restar cada vez menos.
Por outro lado, creio ser necessário, até imprescindível, que não se perca muito tempo não querendo perder tempo pois isso dá largas à insatisfação, acharei tudo desmesuradamente importante e facilmente me frustrarei. Sempre devo usar de senso.
Mas, quando for, fica cá qualquer coisa, todos deixamos um legado. A prole é o maior legado mas mesmo os que não germinaram, mesmo os que não deixam um nome, deixam um legado. Deixam obras, actos, sentimentos que se perpetuarão na memória de quem conheceram... que podem ser bons ou não, depende. Mas deixam. Já escrevi sobre isso uma vez:
Morreu alguém de seu nome Margarida. Não tenho muitas recordações dela mas provavelmente não a esquecerei. Por entre bolos que sabiam a naftalina e o costume de pôr um pratinho na mesa para tudo, a Tia Margarida vai ser recordada.
Esta tarde ocorreu o seu funeral. Foi uma cerimónia tão triste quanto bonita. Várias pessoas subiram ao púlpito para falar acerca da crente que partira para o Céu. É nisso que acreditam. Quando se pratica uma vida espiritual é natural que a congregação tenha palavras de conhecimento e reconhecimento daquilo que a pessoa foi e do seu trabalho na Igreja.
E outra vez:
Ao folhear os álbuns relembrei e contei várias histórias de familiares. E também lembrei pessoas que já morreram, as que já tinham morrido naquela data e as que já morreram depois disso. Infelizmente já são várias...
Depois disso, inevitavelmente, fiquei nostálgica. Lembrei-me do meu primo que morreu quando eu tinha 15 anos e ele 18. A morte dele custou-me muito, era o meu primo preferido, tinha-lhe uma amizade tão grande e tão profunda que mais parecia paixão, embora eu não sentisse absolutamente nada de físico em relação a ele, era um amor platónico.
O António era um excelente rapaz, muito meigo e calmo. Tinha montes de paciência para mim e para as minhas infantilidades. Conversávamos imenso sobre tudo e mais alguma coisa, nunca me dizia que não lhe apetecia brincar ou falar comigo. Eu ficava deliciada com a atenção que ele me dedicava, era muito diferente do meu irmão que não tinha grande paciência para mim... (...)
Nas visitas que seguidamente fizemos aos meus tios, esperava uma altura em que ninguém reparava e escapulia-me até ao quarto dele. Eu tinha só 15 anos mas não tinha medo nem me fazia impressão nenhuma entrar no quarto dele, era a maneira que eu tinha de matar saudades. Ficava lá uns minutos a olhar para o seu pequeno mundo, o mundo que o António cá deixou. Estranhamente aqueles minutos faziam-me bem, era uma maneira de estar com ele.
Os anos passaram...
... e hoje eu lembrei-me do meu primo. Acho que foi um tempo bem empregue o que passei a escrever sobre ele, ainda que tenha ficado muito por escrever...
Só posso concluir que a prole não é o único legado que se deixa aqui...